São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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Ponto de fuga

A felicidade sem sombras

Jorge Coli
especial para a Folha

Os impressionistas tornaram a luz o objetivo da pintura. Não uma luz transcendente ou dramática, mas aquela que brinca na superfície das águas, nas folhagens, nos tecidos, nos cabelos, tornando tudo efêmero e fluido.
Levaram o mundo a se dissolver nos reflexos, nas brumas, nos brilhos. Essa atração pelos neutros estímulos óticos não impediu que, com eles, viessem outras emoções. A pintura de Monet possui algo de meditativo, de melancólico, onde se oculta, por vezes, uma estranha energia lânguida, inquieta e inquietante, lembrando que o pintor era contemporâneo de simbolistas e decadistas. Renoir, por meio de tons iridescentes, que parecem brotar de um prisma, captou outra coisa. Não há pintura mais feliz do que a sua. Não há outro artista que tenha sabido levar a felicidade a uma tal plenitude sensual e sem pecado. Nenhuma angústia, nenhuma amargura, nenhuma dificuldade, humana ou plástica, vem perturbar o gênio tranquilo que preside aos seus quadros. Partindo dos reflexos casuais e provisórios, ele atinge uma eternidade bem-aventurada, para além das modas e das frivolidades.
A atual exposição do Masp, consagrada ao pintor, junta o estupendo acervo que o museu possui a outras obras, vindas de fora. Estas são dignas e interessantes, mesmo que poucas se ergam a um primeiro plano, o que, por contraste, torna ainda mais evidente a qualidade do acervo local. Nem todos os períodos são bem representados. Porém cada tela ali presente, por menor ou discreta que seja, é um recorte de paraíso.
Dó de peito - "Quantos são, pergunto a mim mesmo, os que saem de seu primeiro espetáculo de ópera como eu saí de minha primeira experiência de "Lohengrin", em Paris, convencidos de que a ópera se converterá na devoção de suas vidas?" Edward J. Dent, num velho livro intitulado "Ópera" (ed. Penguin), interroga-se, perplexo, sobre a paixão avassaladora que esse gênero exerce sobre seu público mais fiel. É frequente que um tal arrebatamento misture-se à devoção, à gratidão, diante dos prazeres que a singular mistura de música e teatro é capaz de oferecer, desde que a sensibilidade se exponha aos seus fascínios e mistérios.
O caso de Lauro Machado Coelho dá a impressão de ser exatamente este. Encetou uma "História da Ópera", ao que parece em 15 volumes: a própria dimensão do projeto oferece, por si só, a medida de um amor que não recua diante de nada. Saiu agora o quinto livro, intitulado "A Ópera Romântica na Itália" (ed. Perspectiva). Exclui Rossini de um lado, e, do outro, os assim chamados "veristas". Concentra-se num universo que engloba Bellini, Donizetti, Verdi, além de outros compositores menores, que andaram desaparecidos, mas que têm retornado, pelo menos alguns, à cena e ao disco. O amor pela ópera, no caso de Lauro Coelho, é exigente na erudição e rigoroso na inteligência. Sabe conduzir o leitor nos labirintos dessa paixão.
Pernilongo - A Orquestra Sinfônica da Rádio da Baviera devia vir ao Brasil, mas desistiu, com medo da dengue. Mais corajoso, seu maestro, Lorin Maazel, enfrentou os perigos tropicais e propôs reger uma orquestra jovem brasileira. É uma situação mais inusitada e interessante. Diante da Orquestra Experimental de Repertório, no Teatro Municipal de SP, Maazel soube extrair sonoridades, transparências e matizes, ao mesmo tempo em que insuflava uma poderosa coerência no discurso musical. Os jovens dessa formação de nome esdrúxulo estavam em grande forma, responderam a todas as nuanças exigidas e desencadearam aplausos sem fim de um público entusiasmado. Valquíria - Ao mencionar, duas semanas atrás, a soprano Maria Russo, que encarnou uma valente Brunnhilde, no Festival de Ópera de Manaus, esta coluna errou ao dizer que ela é italiana. Apesar do nome, apesar de cantar muito nos teatros da Itália, de ter estudado com Tebaldi e Bergonzi, ela nasceu em... Rome, pequena cidade de 40 mil habitantes, que fica no Estado de Nova York, EUA.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br


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