São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2000

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+ 3 questões Sobre estresse

1. O estresse é o mal do século?
2. É possível relacioná-lo com a busca da qualidade total?
3. Como combatê-lo?


Marcos Pacheco Ferraz responde

1.
Não, não é. A noção de estresse surgiu com os conceitos de homeostase e das reações emocionais e fisiológicas que se manifestam diante de uma situação de perigo iminente e sua preparação para a luta ou fuga, de forma que foi fundamental para a preservação da espécie.
Com a Guerra do Vietnã, autores americanos passaram a se preocupar com as graves reações emocionais que ocorriam nas frentes de batalha ou logo após, desenvolvendo os conceitos de reação aguda a estresse, estresse pós-traumático e transtornos de ajustamento. Em todos eles, o elemento desencadeador deve ser uma experiência grave, como, por exemplo, catástrofes naturais, acidentes, batalhas, assaltos, estupros, mudanças ameaçadoras na posição social, tortura ou terrorismo, separações etc. Como a eclosão de um transtorno psiquiátrico se deve a fatores biológicos, psicológicos e sociais, o estresse deve ter uma clara delimitação para o seu diagnóstico.

2.
Há muito se sabe que más condições de trabalho podem provocar ou desencadear transtornos mentais. Estudos epidemiológicos mostram que 20% a 30% da população adulta precisa, em algum momento de sua vida, de cuidados psiquiátricos.
Os fatores estressantes psicossociais podem ocorrer sem que lhes possa ser imputado com segurança o papel de geradores desses problemas. Mas, recentemente, o conceito de estresse foi se estendendo para outros eventos, tais como as dificuldades do dia-a-dia das grandes cidades, os conflitos nas corporações etc., e essa ampliação foi sendo apropriada pela população em geral.
A maximização do uso da palavra estresse pode mascarar, como de fato tem acontecido, outros quadros psiquiátricos, como os da área da ansiedade ou do humor. Assim, quando alguém se sentir "estressado", deve procurar um profissional especializado para fazer o diagnóstico, evitando simplesmente incriminar as condições ambientais, de trabalho ou familiares.

3.
Satanizar o estresse não é um bom começo para o entendimento dessa questão. Políticas que incrementem o desenvolvimento social, a educação, o transporte, as boas relações de trabalho, a cultura, o lazer e uma política pública de saúde são essenciais para a promoção de saúde, diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação dos transtornos mentais.

Marilda Lipp responde

1.
O mundo está mais estressante do que nunca. A Organização Mundial da Saúde estima que 19% das pessoas no mundo inteiro sofrerão em algum momento em suas vidas sinais de estresse excessivo. Nossas pesquisas indicam que 32% das 1.800 pessoas entrevistadas na cidade de São Paulo tinham sintomas significativos de estresse. Em 1999 vários países fizeram declarações afirmando que o estresse ocupacional está atingindo níveis excessivamente altos e que deve ser dada atenção à prevenção e controle do estresse dentro das empresas. É importante lembrar que o estresse do trabalho pode ser generalizado para a família, de modo que a tensão que tem origem dentro de uma empresa muitas vezes se reflete no ambiente familiar pelo desânimo, mau humor, irritabilidade, insônia, depressão e ansiedade. Por outro lado, não se deve ignorar o fato de que, quando a família está atravessando uma crise e o estresse está presente nos seus membros, o trabalho (ou desempenho escolar) de cada um também é afetado de modo marcante. O estresse sempre existiu, as causas do estresse é que sofreram modificações marcantes ao longo dos anos tanto em termos de tipo, intensidade e número. O estresse pode, sim, ser considerado o mal do século.

2.
A qualidade total, conceito indispensável atualmente, pode criar estresse porque demanda do ser humano uma adaptação às vezes excessivamente rápida. Com o desenvolvimento tecnológico (claro que sempre bem-vindo), o estresse aumenta à medida que cada um precisa estar se atualizando em ritmo alucinante. Isso exige muito do organismo e pode criar o "estresse tecnológico", que, acrescentado aos problemas sociais e econômicos e à mudança também muito rápida de valores morais e éticos, pode vir a gerar no ser humano uma necessidade inusitada de adaptação. É da exigência de adaptação que o estresse surge. Quando se exige que um organismo se adapte rápido demais e, com frequência, além da sua habilidade de assimilação, a tensão aumenta e o estresse se manifesta.

3.
Evitá-lo completamente não é possível, até porque, em doses moderadas, ele é útil para energizar o organismo. Prevenir seu excesso é o aconselhável. As medidas preventivas propostas no Centro de Controle do Estresse são: alimentação antiestresse (rica em legumes, verduras e frutas), relaxamento todos os dias por 15 minutos pelo menos, exercício físico três vezes por semana por meia hora e compreensão de seus limites e prioridades, bem como manter uma atitude positiva diante da vida.

Quem são
Marcos Pacheco Ferraz
É professor no departamento de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Marilda Lipp
É professora de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, diretora e fundadora do Centro Psicológico de Controle do Estresse e autora de, entre outros, "Como Enfrentar o Estresse" (Ed. Ícone).



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