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Ponto de fuga
A leveza da velhice
Jorge Coli
especial para a folha
Clint Eastwood e o narcisismo das rugas: desde pelo
menos "As Pontes de Madison" que ele se compraz em
exibir seu torso nu, de homem mais que maduro. Isso
provocou um certo repúdio enojado da crítica americana, bem firmada junto às convenções do desejo. A velhice deveria ser sempre obscena, a velhice deveria ser
sempre morte em progresso. Numa Hollywood que
tem como alvo, mais e mais, o público jovem, "Cowboys do Espaço" vem trazer uma experiência bem diversa. Se as perdas físicas, a degradação do corpo, são
evidentes com o passar dos anos, e motivo de troça irônica na primeira metade do filme, permanece uma dimensão intensa de vida que liga extremos temporais. A
memória dos velhos, feita de silêncios, é densa.
Os filmes de Eastwood trazem sempre lições éticas.
Este diz: a vida não pertence aos jovens, a vida não é negada aos velhos. Mais ainda: antes da juventude ou da
velhice, importa um rigor humano que não abdica de si.
Eastwood interpretou um sem-número de anti-heróis
solitários, cuja inadaptação era o melhor instrumento
de crítica social. Em "Cowboys do Espaço", seu personagem se vê acusado de não ter "espírito de equipe", isto é, de não se dissolver dentro de uma empresa. Ele se
integra, porém, na amizade cúmplice com os velhos
amigos, cuja verdade destoa dos interesses de carreira e
que contém, em si mesma, a própria vitória. "Cowboys
do Espaço" é o mais luminoso dos filmes já feitos por
Eastwood, aquele em que sua ética humanista atinge
plena e jubilosa ironia.
Órbita - Um dos quatro astronautas de "Cowboys do
Espaço" tem câncer. Sacrifica-se para salvar a missão.
Mas seu heroísmo, no filme, tende a diminuir, em benefício de um destino dominado, de uma trajetória completada como se deve. Não há sentimentalismo nenhum: estamos no oposto de "Armageddon" e mesmo
do esplêndido dueto lírico que Brian De Palma inventou em "Missão: Marte". O zoom longuíssimo, irreal,
fechando-se sobre o herói amarrado aos destroços do
satélite que ele conduzira à Lua, é o mensageiro, suficiente e sem floreios, da morte perfeita.
Calma - Clint Eastwood explica, sobre seu próprio estilo, aos "Cahiers du Cinéma": "É verdade que eu não
movimento muito a câmera. Não tenho medo de me assentar, às vezes, em vez de me pôr a girar em volta das
coisas, como nas publicidades, nas quais (os diretores)
parecem piões girando em volta dos produtos que é
preciso vender. Espera-se que eles valorizem de qualquer jeito o produto. Eu, ao contrário, assento minha
câmera para permitir que o espectador contemple as
coisas. E o plano dura até que algo entre nele. Uma mão,
por exemplo... ou então o plano sobe até alguém. Esforço-me em fazer movimentos tão discretos quanto possível".
Periscópio - A crítica internacional sublinhou que
"U-571 - A Batalha do Atlântico" é um filme de guerra
"como os de antigamente". Pouco importa que ele traia
a história e que, no episódio, os verdadeiros heróis tenham sido os ingleses, e não os americanos. Pouco importa, também, que esse heroísmo possa parecer datado. "U-571" possui a lógica da concentração: nada da
guerra que explode para todos os lados, como em "O
Resgate do Soldado Ryan" ou "A Linha Vermelha".
Concentração dentro do espaço exíguo do submarino;
concentração ainda no tropismo absoluto da missão,
muito precisa, a ser realizada.
Uma tensão lenta, claustrofóbica, progride, com
maestria rigorosa. Jonathan Mostow, o diretor, limita
os meios de seus personagens, que devem se fazer passar por alemães, quando apenas um fala a língua; que
devem auscultar os ruídos das águas, dos motores, dos
explosivos; que avançam como podem, meio às cegas,
etapa por etapa, vencendo um problema que se abre a
outro problema. A relação se estreita entre os homens e
os instrumentos e as máquinas e o meio artificial, casulo
metálico e úmido.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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