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+ livros Resenhas
Seis ensaios de "Donos do Rio" buscam compreender como aconteceu a formação da cidade
A emergência do Rio de Janeiro
Jean Marcel Carvalho França
especial para a Folha
É
conhecida a passagem de "Raízes do
Brasil" em que Sérgio Buarque de
Holanda, ao analisar a emergência das
primeiras cidades brasileiras, diz terem
sido essas concebidas sem "nenhum rigor", sem "nenhum método". Assevera o
historiador que, ao contrário das cidades
da América Espanhola, cujos traçados
foram desde muito cedo regulados pelas
"Leyes de las Indias", as nossas surgiram
e cresceram ao acaso, "quase sem contrariar a natureza", "se enlaçando na linha da paisagem".
"Donos do Rio - Em Nome do Rei", de
Fania Fridman, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, inscreve-se naquela linhagem de trabalhos que, se
não vêm contrariar inteiramente a perspectiva de Holanda, vêm retificá-la e ampliá-la. O livro nos oferece um estudo de
caso: a cidade do Rio de Janeiro. Ao longo de seis ensaios, a autora apresenta
uma história bastante detalhada do processo de formação dessa importante urbe, destacando como se fez e quem fez a
partilha do seu território.
Uma cidade rica
Nos três primeiros
ensaios, há um predomínio do Rio de Janeiro colonial e, nos demais, do Rio oitocentista. A divisão, de certo modo, traduz a tese central de Fridman, a saber: se
no Rio de Janeiro colonial os grandes
responsáveis pela partilha e ordenação
do espaço urbano foram as instituições
religiosas (ordens e confrarias), no Rio
oitocentista, um Rio que se afirmava como a mais rica e importante cidade do
jovem império, tais funções foram gradativamente sendo exercidas por construtores e loteadores, os quais redesenharam a cidade "herdada" dos religiosos. A divisão mencionada, contudo, não
é rígida, e em todos os textos -que não
são propriamente capítulos- estão presentes, com maior ou menor incidência, o Rio colonial e o Rio oitocentista.
O período dos "agentes
imobiliários religiosos"
predomina, como referimos, nos três ensaios iniciais. No primeiro deles, o
que está em pauta é o
enorme controle que as ordens e confrarias exerceram sobre a propriedade fundiária do Rio de Janeiro, um controle que
acabou por moldar não somente o aspecto físico da cidade, mas também, e sobretudo, o cotidiano dos habitantes locais. O segundo ensaio é quase um prolongamento do primeiro e utiliza o mesmo cenário para colocar em cena a história do patrimônio territorial da Ordem
de São Bento. O terceiro, intitulado "Cidade Flutuante", estabelece uma relação
entre a posse da terra, a produção e os
ancoradouros -principais portas de
saída e entrada das riquezas de uma cidade quase desprovida de caminhos para o "sertão".
Do Rio de Janeiro oitocentista, Fridman dá a conhecer, de saída, como foi
feita a ocupação das terras situadas nas
paróquias suburbanas da cidade. A descrição de tal processo, cujo motor inicial
foi a chegada de d. João 6º em 1808, permite à autora mostrar como o solos das
redondezas do núcleo urbano foi gradativamente se transformando em mercadoria. Tal transformação, esclarece-nos,
se consolida com a promulgação da Lei
das Terras, em 1850, e altera por completo a aparência e a vida do Rio de Janeiro.
Da ocupação das paróquias suburbanas,
Fridman passa, no quinto ensaio, para o
problema da moradia. Também aqui é
respeitada a divisão referida: num primeiro momento, a análise incide sobre o período colonial, sobre o papel predominante
que desempenharam as
ordens religiosas -construtoras e detentoras de
muitas casas de aluguel-
na organização do espaço urbano; numa
segunda parte, século 19, entram em cena os loteamentos e a consequente "mercantilização da terra". Encerra o livro um
ensaio dedicado a analisar o papel desempenhado pelas propriedades públicas no Rio de Janeiro. Nesse último texto,
a autora extrapola os limites temporais
que vinha respeitando e adentra pelo século 20, o que a leva a uma abordagem
mais ligeira do tema proposto.
Uma certa ordem
Ao fim desses ensaios, pode-se dizer que Fridman consegue, com eficiência, dar corpo à tese referida. Para mais, a descrição que faz da
emergência e expansão do Rio de Janeiro
no período colonial demonstra com clareza que, se as confusas urbes do Brasil,
por um lado, não contaram, no seu nascedouro, com planos diretores e traçados estudados, por outro, não surgiram e
cresceram mercê do completo acaso.
O livro, em suma, se recomenda, não
só pela pesquisa que o ampara, mas especialmente pela perspectiva que constrói da emergência e consolidação de
uma das mais importantes cidades brasileiras. A obra seria ainda mais recomendável se a autora, na descrição que faz do
Rio de Janeiro colonial e imperial, em vez
de recorrer tão sistematicamente a fontes
secundárias, lançasse mão de documentos de época. Isso, aliado a um cuidado
maior com a escrita, sem dúvida tornaria
a leitura de "Donos do Rio" mais curiosa
e instrutiva.
Donos do Rio - Em Nome do Rei
302 págs., R$ 28,00
de Fania Fridman
Jorge Zahar Editor (rua México,
31, sobreloja, RJ, 20031-144,
tel. 0/xx/21/240-0226).
Jean Marcel Carvalho França é doutor em literatura
comparada e autor de, entre outros, "Visões do Rio de
Janeiro Colonial" (José Olympio).
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