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Três lançamentos, entre eles um do psicólogo Howard Gardner, investigam
as origens da memória e a possibilidade de criar uma ciência da persuasão
Auto-ajuda para as mentes
JOÃO DE FERNANDES TEIXEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Howard Gardner é um psicólogo famoso da Universidade Harvard (EUA).
Chefia o Projeto Zero, um
grande programa de investigação
que, ao longo dos anos, tem procurado descobrir os mecanismos da
criatividade e da aprendizagem para
estudar reformas curriculares nas
escolas. Árduo defensor do cognitivismo, seus estudos concentraram-se, nos últimos tempos, sobre a natureza da inteligência, mostrando
que sob esse termo abriga-se uma
pluralidade de faculdades, e não
apenas algo que poderia ser captado
pela métrica dos testes de QI.
Desta vez, Gardner brinda-nos
com um outro tipo de estudo
["Mentes Que Mudam"]: saber o
que pode mudar as mentes, transformá-las, seja na escala de uma pequena empresa, seja na escala da liderança de uma nação. Convencimento, mudança, persuasão: esses
são os temas principais de seu novo
livro que ora chega em tradução para o português.
Sua idéia central é a de formular
uma ciência da persuasão, algo que
ultrapasse os limites das idéias populares que cercam esse conceito. É
preciso estudar por que alguns conseguem mudar a mente, o modo de
pensar dos outros, tornando-se seres aglutinadores que levam a mudanças na maneira de enxergar o
mundo e na maneira de agir.
Tarefa de risco
Trata-se, num certo sentido, de incluir a velha retórica no âmbito da
ciência psicológica, uma tarefa cheia
de riscos que, por vezes, resvala no
linguajar indesejável da auto-ajuda.
Mas será esse um defeito apenas
do livro de Gardner? Ou uma vicissitude enfrentada por todos aqueles
que se lançam à tarefa inglória de fazer psicologia? Lembro-me aqui da
sentença do velho mestre francês
Pierre Gréco, freqüentemente parafraseada pelo meu colega Bento Prado Jr: "Quando se faz psicologia, parece-nos que não estamos fazendo
ciência, e, quando fazemos ciência,
quase sempre temos certeza de não
estar fazendo psicologia".
E, por vezes, lendo as páginas de
"Mentes Que Mudam", escritas
num estilo extremamente agradável,
não pude deixar de lembrar-me de
um livro que meu pai me dera na
minha adolescência -"Como Fazer
Amigos e Influenciar as Pessoas", do
"self-made man" americano Dale
Carnegie, um clássico cuja difusão
ainda deve continuar ao longo de
suas inúmeras reedições, tanto no
Brasil como nos EUA.
Ao ler o texto de Gardner, não pude tampouco deixar de me indagar
acerca dos riscos da tarefa que ele
empreende: riscos ideológicos e políticos. Afinal, a linha que separa a
idéia de mudança das mentes aproxima-se perigosamente da manipulação das pessoas ou das massas.
Não é à toa que no seu livro ele se refira a estadistas de importância histórica inegável, que mudaram épocas e nações, como, por exemplo,
Gandhi [1869-1948].
Mas por que não falar de contra-exemplos, como Hitler [1889-1945],
Mussolini [1883-1945] ou Goebbels
[1897-1945], figuras que certamente
só poderiam aparecer nos nossos livros como exemplos de psicopatologia, de uma aberração da capacidade
de transformar as mentes? Ou do perigo ainda persistente dos aparelhos
ideológicos que moldam a mente
mediana, esse horror que nos circunda e sobre o qual não podemos
deixar de nos referir com o mesmo
desprezo sutil que perpassa as análises dos frankfurtianos?
Geléia geral
A mente média ou mente mediana, a geléia geral insidiosa e perturbadora é o tema de "A Mente Mediana", de Curtis White. White põe-se a
refletir sobre o que teria criado essa
coisa tão desagradável, identificando três causas que estariam na raiz
deste fenômeno: a ortodoxia retrógrada da universidade, a pobreza da
mídia e a política pedestre dos nossos estadistas rústicos, guiados apenas pela contabilidade das nações.
Não sei exatamente o que Curtis
White faz, se é psicologia social, sociologia, história das mentalidades
ou tudo ao mesmo tempo. Por vezes,
sua revolta contra a mente mediana
me faz lembrar de um livro que li há
anos, "O Homem Medíocre" [Edicamp] do pensador argentino José
Ingenieros, injustamente esquecido.
Mas o que realmente causa estranheza no livro de White é notar que
aqueles que há pouco tempo se rebelavam contra o mundo da cultura,
alegando que este era domínio de
elitistas europeus, brancos e machos, são os mesmos que agora se insurgem contra a cinzentura da banalização e da promoção sistemática
da mediocridade.
A cultura norte-americana -um
misto de Disneylândia e shopping
center- não consegue mais conviver consigo mesma, com o desencantamento e o pós-moderno politicamente correto que agora se tornou
uma cobra que devora sua própria
cauda, como no mito do Oroborus.
Ciência ou filosofia?
Cabe-me agora dizer algumas palavras sobre "Mente e Cérebro", de
Lauren Slater. Que o leitor me desculpe o salto temático abrupto; não é
fácil apresentar três livros em poucos parágrafos. O título original deste livro é "A Caixa de Skinner"
("Skinner's Box"). Aliás, o texto começa e termina com um tributo a
Skinner, o maior psicólogo americano do século 20 e também o mais repudiado no trópico tupiniquim.
Infelizmente, esse tributo acaba incorrendo no pecadilho daqueles que
só conhecem Skinner a partir da literatura secundária: caricaturar o behaviorismo radical como uma psicologia sem psiquismo. Uma visão
anedótica, que transpira um certo
humanismo de botequim ou uma
certa etiqueta pseudo-intelectual
que ensina a torcer o nariz para o behaviorismo e para o positivismo sem
saber do que se está falando.
A despeito desse deslize, Slater levanta desde o início de seu livro uma
questão instigante: será a psicologia
uma ciência? Para tentar responder a
essa pergunta, a autora descreve dez
experimentos psicológicos importantes, descritos em linguagem simples, quase coloquial.
Os mais interessantes são o de
Kandel, sobre as bases neurais da
memória, e o de Rosenhan, que
mostra a fragilidade do diagnóstico
psiquiátrico, ainda baseado na linguagem psicológica popular dos pacientes. Isso torna o texto particularmente inquietante, uma espécie de
guia que pode servir para um jovem
se decidir se estudará psicologia na
faculdade -essa disciplina metade
metáfora, metade estatística e que
acaba ficando na terceira margem
do rio.
No final, a autora sugere uma resposta para sua indagação inicial: a
psicologia é mais filosofia do que
ciência. Que todos se divirtam seriamente, é claro.
João de Fernandes Teixeira é professor de
filosofia na Universidade Federal de São
Carlos e autor de "Filosofia e Ciência Cognitiva" (ed. Vozes), entre outros.
Mentes Que Mudam
230 págs., R$ 39
de Howard Gardner. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. Ed. Artmed (av. Jerônimo
de Ornelas, 670, CEP 90040-340, Porto Alegre, RS, tel.0/xx/51/3330-3444).
A Mente Mediana
219 págs., R$ 36
de Curtis White. Trad. Luiz Roberto M. Gonçalves. Ed. Francis (r. Ernesto Nazaré, 31, CEP
05462-000, SP, tel. 0/ xx/11/ 3812-3812).
Mente e Cérebro
320 págs., R$ 49,90
de Lauren Slater. Trad. Vera de Paula Assis.
Ediouro (r. Nova Jerusalém, 345, CEP 21042-230, RJ, tel. 0/ xx/21/ 3882-8200).
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