São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

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Três lançamentos, entre eles um do psicólogo Howard Gardner, investigam as origens da memória e a possibilidade de criar uma ciência da persuasão

Auto-ajuda para as mentes

JOÃO DE FERNANDES TEIXEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Howard Gardner é um psicólogo famoso da Universidade Harvard (EUA). Chefia o Projeto Zero, um grande programa de investigação que, ao longo dos anos, tem procurado descobrir os mecanismos da criatividade e da aprendizagem para estudar reformas curriculares nas escolas. Árduo defensor do cognitivismo, seus estudos concentraram-se, nos últimos tempos, sobre a natureza da inteligência, mostrando que sob esse termo abriga-se uma pluralidade de faculdades, e não apenas algo que poderia ser captado pela métrica dos testes de QI.
Desta vez, Gardner brinda-nos com um outro tipo de estudo ["Mentes Que Mudam"]: saber o que pode mudar as mentes, transformá-las, seja na escala de uma pequena empresa, seja na escala da liderança de uma nação. Convencimento, mudança, persuasão: esses são os temas principais de seu novo livro que ora chega em tradução para o português.
Sua idéia central é a de formular uma ciência da persuasão, algo que ultrapasse os limites das idéias populares que cercam esse conceito. É preciso estudar por que alguns conseguem mudar a mente, o modo de pensar dos outros, tornando-se seres aglutinadores que levam a mudanças na maneira de enxergar o mundo e na maneira de agir.

Tarefa de risco
Trata-se, num certo sentido, de incluir a velha retórica no âmbito da ciência psicológica, uma tarefa cheia de riscos que, por vezes, resvala no linguajar indesejável da auto-ajuda.
Mas será esse um defeito apenas do livro de Gardner? Ou uma vicissitude enfrentada por todos aqueles que se lançam à tarefa inglória de fazer psicologia? Lembro-me aqui da sentença do velho mestre francês Pierre Gréco, freqüentemente parafraseada pelo meu colega Bento Prado Jr: "Quando se faz psicologia, parece-nos que não estamos fazendo ciência, e, quando fazemos ciência, quase sempre temos certeza de não estar fazendo psicologia".
E, por vezes, lendo as páginas de "Mentes Que Mudam", escritas num estilo extremamente agradável, não pude deixar de lembrar-me de um livro que meu pai me dera na minha adolescência -"Como Fazer Amigos e Influenciar as Pessoas", do "self-made man" americano Dale Carnegie, um clássico cuja difusão ainda deve continuar ao longo de suas inúmeras reedições, tanto no Brasil como nos EUA.
Ao ler o texto de Gardner, não pude tampouco deixar de me indagar acerca dos riscos da tarefa que ele empreende: riscos ideológicos e políticos. Afinal, a linha que separa a idéia de mudança das mentes aproxima-se perigosamente da manipulação das pessoas ou das massas. Não é à toa que no seu livro ele se refira a estadistas de importância histórica inegável, que mudaram épocas e nações, como, por exemplo, Gandhi [1869-1948].
Mas por que não falar de contra-exemplos, como Hitler [1889-1945], Mussolini [1883-1945] ou Goebbels [1897-1945], figuras que certamente só poderiam aparecer nos nossos livros como exemplos de psicopatologia, de uma aberração da capacidade de transformar as mentes? Ou do perigo ainda persistente dos aparelhos ideológicos que moldam a mente mediana, esse horror que nos circunda e sobre o qual não podemos deixar de nos referir com o mesmo desprezo sutil que perpassa as análises dos frankfurtianos?

Geléia geral
A mente média ou mente mediana, a geléia geral insidiosa e perturbadora é o tema de "A Mente Mediana", de Curtis White. White põe-se a refletir sobre o que teria criado essa coisa tão desagradável, identificando três causas que estariam na raiz deste fenômeno: a ortodoxia retrógrada da universidade, a pobreza da mídia e a política pedestre dos nossos estadistas rústicos, guiados apenas pela contabilidade das nações.
Não sei exatamente o que Curtis White faz, se é psicologia social, sociologia, história das mentalidades ou tudo ao mesmo tempo. Por vezes, sua revolta contra a mente mediana me faz lembrar de um livro que li há anos, "O Homem Medíocre" [Edicamp] do pensador argentino José Ingenieros, injustamente esquecido.
Mas o que realmente causa estranheza no livro de White é notar que aqueles que há pouco tempo se rebelavam contra o mundo da cultura, alegando que este era domínio de elitistas europeus, brancos e machos, são os mesmos que agora se insurgem contra a cinzentura da banalização e da promoção sistemática da mediocridade.
A cultura norte-americana -um misto de Disneylândia e shopping center- não consegue mais conviver consigo mesma, com o desencantamento e o pós-moderno politicamente correto que agora se tornou uma cobra que devora sua própria cauda, como no mito do Oroborus.

Ciência ou filosofia?
Cabe-me agora dizer algumas palavras sobre "Mente e Cérebro", de Lauren Slater. Que o leitor me desculpe o salto temático abrupto; não é fácil apresentar três livros em poucos parágrafos. O título original deste livro é "A Caixa de Skinner" ("Skinner's Box"). Aliás, o texto começa e termina com um tributo a Skinner, o maior psicólogo americano do século 20 e também o mais repudiado no trópico tupiniquim.
Infelizmente, esse tributo acaba incorrendo no pecadilho daqueles que só conhecem Skinner a partir da literatura secundária: caricaturar o behaviorismo radical como uma psicologia sem psiquismo. Uma visão anedótica, que transpira um certo humanismo de botequim ou uma certa etiqueta pseudo-intelectual que ensina a torcer o nariz para o behaviorismo e para o positivismo sem saber do que se está falando.
A despeito desse deslize, Slater levanta desde o início de seu livro uma questão instigante: será a psicologia uma ciência? Para tentar responder a essa pergunta, a autora descreve dez experimentos psicológicos importantes, descritos em linguagem simples, quase coloquial.
Os mais interessantes são o de Kandel, sobre as bases neurais da memória, e o de Rosenhan, que mostra a fragilidade do diagnóstico psiquiátrico, ainda baseado na linguagem psicológica popular dos pacientes. Isso torna o texto particularmente inquietante, uma espécie de guia que pode servir para um jovem se decidir se estudará psicologia na faculdade -essa disciplina metade metáfora, metade estatística e que acaba ficando na terceira margem do rio.
No final, a autora sugere uma resposta para sua indagação inicial: a psicologia é mais filosofia do que ciência. Que todos se divirtam seriamente, é claro.


João de Fernandes Teixeira é professor de filosofia na Universidade Federal de São Carlos e autor de "Filosofia e Ciência Cognitiva" (ed. Vozes), entre outros.

Mentes Que Mudam
230 págs., R$ 39 de Howard Gardner. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. Ed. Artmed (av. Jerônimo de Ornelas, 670, CEP 90040-340, Porto Alegre, RS, tel.0/xx/51/3330-3444).
A Mente Mediana
219 págs., R$ 36 de Curtis White. Trad. Luiz Roberto M. Gonçalves. Ed. Francis (r. Ernesto Nazaré, 31, CEP 05462-000, SP, tel. 0/ xx/11/ 3812-3812).
Mente e Cérebro
320 págs., R$ 49,90 de Lauren Slater. Trad. Vera de Paula Assis. Ediouro (r. Nova Jerusalém, 345, CEP 21042-230, RJ, tel. 0/ xx/21/ 3882-8200).



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