São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997.

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Astronomia

RONALDO ROGÉRIO
DE FREITAS MOURÃO
especial para a Folha

Antientropia
Função de estado oposto à entropia. A antientropia de um sistema isolado só pode diminuir.
±A conceituação de entropia foi proposta, em 1850, com relação às máquinas térmicas. A entropia é um valor que caracteriza a desordem de um sistema físico. A palavra desordem está aqui empregada no sentido de perda de organização: a entropia aumenta à medida que o sistema se desorganiza ou, melhor ainda, sofre uma deterioração.
±A entropia nos conduz a inúmeras especulações com relação ao destino final do Universo, cujo último estágio poderá ser a sua morte térmica. A consequência cosmológica da segunda lei termodinâmica será a de prever um fim do mundo irreversível: nesse ponto, pode-se contestá-la, afirmando que a segunda lei só se aplica em sistemas fechados, o que não seria válido para o Universo em expansão, pois este não constitui em seu conjunto um sistema fechado.
±Para escapar a essa morte inevitável, o cosmólogo Tolman apela para um modelo de universo oscilante, que se expande e contrai irreversivelmente e é, portanto, capaz de evitar esse estado de máxima entropia.
±Se imaginarmos um Universo em colapso que acabará num imenso buraco negro e, portanto, num outro Universo, onde as normas serão opostas às do nosso, a entropia deixará de existir, pois no buraco negro o espaço e o tempo correm para trás, ou seja, retrocedem.
±A entropia é substituída pela antientropia, isto é, o seu oposto, onde nada se deteriora, nada se aniquila ou se degrada. As informações não diminuem até desaparecer; ao contrário, elas se acumulam, pois estão sendo continuamente armazenadas.
±Com essas idéias concordam os vitalistas, que atribuem aos sistemas vivos a propriedade ou privilégio de violar o segundo princípio da termodinâmica. Aliás, os vitalistas vão mais longe, imaginando que a memória possui tendências à ordem, enquanto a matéria tem tendência à desordem. Para eles, em oposição à entropia, que consiste na marcha para a desorganização, existe a antientropia, que tende à ordem. Assim, argumentam que na célula viva nada se desorganiza, tudo é ordem.
±A causa da antientropia seria determinada pelo espírito que deve existir no interior das células e das partículas. Quem defende estas idéias é o físico francês Jean Émile Charon, em seu livro "O Espírito - Esse Desconhecido", no qual afirma que deveria existir um espaço-espírito situado além do nosso universo, onde nada se perde, tudo é acumulado, memorizado e ordenado. Neste outro universo tudo está sujeito à lei da antientropia crescente, inversa à lei que regula o nosso universo e no qual seria impossível perder informações recebidas e acumuladas.

Antimatéria
Matéria cuja existência é teoricamente possível, composta de antipartículas. Em janeiro de 1996, a equipe liderada por Walter Olert, das universidades de Nuremberg (Alemanha) e Gênova (Itália), anunciou ter obtido átomos de anti-hidrogênio, constituídos por um antielétron orbitando um antipróton. Cada um dos nove átomos durou apenas 40 bilionésimos de segundo até ser aniquilado pela matéria comum. Foi a primeira vez que se obteve átomos de antimatéria.
±O vocábulo ``antimatter'' foi cunhado pela primeira vez em 1898 pela cientista inglês Arthur Schuster. Com o desenvolvimento da física das partículas elementares, uma nova noção apareceu nos estudos da estrutura e origem do universo -a antimatéria. Uma grande parte dos cosmologistas estima que uma série de dificuldades teóricas pode ser ultrapassada se admitirmos que a matéria que conhecemos no universo não é a única existente.
±Foi em 1927 que o físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac emitiu a idéia matemática da possível existência de um antielétron que devia ser um irmão gêmeo do elétron; da mesma massa e carga elétrica oposta. Afirmava, então, que estas duas partículas não poderiam coexistir. No instante em que uma partícula encontrasse a sua antipartícula, elas se aniquilariam reciprocamente, transformando sua massa em energia.
±Depois deste primeiro sucesso, a descoberta de novas antipartículas fez-se num curto intervalo de tempo. Essa sequência de sucessos gerou a idéia de que a antimatéria deveria existir em outros pontos do universo, onde reinassem grandes concentrações de energias. Segundo Dirac, era possível que a associação de antipartículas desse origem aos antiátomos. Deste modo, deveriam existir mundos de antimatéria em qualquer parte do universo. A presença de antimatéria no interior das galáxias e, sobretudo, nos quasares, explicaria a origem da sua radiação muito intensa, impossível de ser produzida unicamente pelas reações termonucleares. Tal energia poderia resultar talvez no aniquilamento de matéria com a antimatéria.
±Realmente, a teoria quântica, que prevê a existência de antimatéria, previu também que ela deveria ter as mesmas propriedades elétricas, químicas, ópticas e mecânicas, idênticas às da matéria comum. A identidade óptica entre as duas formas de matéria significa que é impossível, a partir do estudo da luz de um astro, saber se ele é constituído de matéria ou antimatéria. Como muito bem lembra Ommes, para um homem feito de antimatéria que viva numa antigaláxia, nós é que seríamos a ``anti''.
±Uma consequência dessa evolução é que o atual universo deve conter tanta matéria quanto antimatéria, assim como galáxias e antigaláxias. Como não existe meio de detectar a existência de antigaláxias, pois elas emitem a mesma luz que as outras, pode-se procurar como meio para registrá-las os eventuais fenômenos de aniquilação recíproca, que se produziram intensamente no início da criação e que ainda se produzem de forma residual. Com efeito, para os defensores da antimatéria, registrou-se por intermédio da astronomia extraterrestre uma radiação de raios X isotrópica que poderia ter sido oriunda das colisões entre galáxias e antigaláxias em formação no curso dos primeiros milhões de anos.

Caos
Termo usado, em geral, para descrever o comportamento quase imprevisível de alguns sistemas dinâmicos. Os conceitos de ordem e de determinismo repousam sobre a possibilidade de se prever o movimento de um sistema físico simples regido, por exemplo, pelas leis de Newton, tais como o problema de um corpo submetido a uma força central (sistema Sol-Terra).
±Ao contrário, o conceito de caos subentende um comportamento errático e aleatório como, por exemplo, o lançamento de um dado sobre uma mesa. Ao agitarmos um dado em nossa mão em todos os sentidos, os numerosos choques a que ele é submetido fazem com que o dado perca toda a memória de sua organização inicial, de tal maneira que o resultado que irá fornecer ao se imobilizar será totalmente imprevisível.
±O mesmo ocorre com as esferas numeradas em um sorteio de loteria. Os múltiplos choques que elas sofrem faz com que o número sorteado seja imprevisível. O mesmo ainda acontece se desejássemos prever a direção das pequenas partículas suspensas em um fluido, cuja agitação é denominada movimento browniano.
±O conhecimento do estado de um sistema caótico em determinado tempo não permitirá prever o seu estado ulterior. Na realidade, dois movimentos com estado inicial idêntico, muito próximos entre si, podem evoluir de maneira totalmente diferente. A incerteza inicial se desenvolve de maneira exponencial com o tempo.
±As primeiras idéias de que não existem fenômenos físicos totalmente erráticos, em oposição à intuição normal, surgiram com o meteorologista norte-americano Edward Lorenz, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em 1963, quando estudava dois modelos análogos de previsão meteorológica que se mostraram divergentes. Inicialmente, os comportamentos muito idênticos foram gradualmente evoluindo até que toda forma de semelhança entre eles desapareceu por completo. Assim, observou-se que a desordem deveria obedecer a um efeito determinista, no sentido em que cada etapa de cálculo determinava estritamente o resultado seguinte.


Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins (RJ) e autor de mais de 50 livros, entre outros, "Anuário de Astronomia 1997". Internet: http://www.domain.com.br/mourao/

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