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Bombardeio das folhas de ouro
Em tudo isso
Mendeleiev deu
mostras de uma
confiança tão
grande em suas
idéias que chegou a chocar alguns de seus contemporâneos
(Meyer, por exemplo, achava
monstruosa a idéia de se mudar
massas atômicas simplesmente
por não se encaixarem nas previsões).
Sua maior aposta foi reservada
aos vários espaços vazios em sua
tabela, pois, conforme anunciou,
esses eram os espaços ocupados
por elementos "ainda desconhecidos". Ademais, Mendeleiev afirmou que, fazendo uma extrapolação a partir das propriedades dos
elementos situados acima e abaixo
de cada desconhecido (e também,
até certo ponto, daqueles situados
de cada lado dele), seria possível
traçar previsões seguras quanto às
propriedades desses elementos
desconhecidos. E foi exatamente
isso que fez, prevendo com grande
minúcia um novo elemento que
seguiria o alumínio no grupo 3
(ele o chamou de "eca-alumínio",
usando a palavra em sânscrito que
significa "o seguinte"): seria, previu, um metal semelhante à prateado, com densidade 6,0 e massa
atômica 68.
Quatro anos mais tarde, em
1875, foi encontrado um elemento
exatamente assim: o gálio. Mendeleiev também previu a existência
do "eca-boro" e do "eca-silício",
e também esses não demoraram a
ser descobertos (sendo batizados
por seus descobridores patriotas
de escândio e germânio). Mendeleiev previra sua aparência, propriedades químicas, densidades e
massas atômicas com precisão
quase total. Foi essa capacidade de
prever elementos de maneira tão
detalhada que convenceu muitos
de seus colegas químicos de que
seu sistema não era uma simples
ordenação arbitrária dos elementos, "superficial e ilusória", e sim
uma expressão da realidade, "um
sistema natural", nas palavras do
próprio Mendeleiev.
Dois grupos de elementos apresentavam desafios especiais. Eram
os elementos transitórios, como
acabariam por ser conhecidos
-que incluíam o vanádio, o
tungstênio, o ósmio e o tântalo,
elementos que tinham sido os favoritos de Mendeleiev nos anos
1850, além de elementos comuns,
como o ferro e o níquel-, e os
chamados elementos "terrosos
raros". Nenhum desses grupos parecia encaixar-se nas oitavas bem
delimitadas dos períodos anteriores.
A solução encontrada por Mendeleiev para os elementos de transição foi criar para eles subgrupos
nos períodos posteriores, mas ela
tinha a desvantagem de causar um
amontoamento desordenado na
tabela e situar elementos muito
díspares uns ao lado de outros
(por exemplo, os metais "de cunhagem", do grupo 1, ao lado dos
metais alcalinos). O problema dos
metais terrosos raros era ainda
mais difícil. Apenas três ou quatro
eram conhecidos quando Mendeleiev primeiro visualizou sua tabela, mas, à medida que o século
avançava, foram sendo descobertos cada vez mais deles. O problema era que eram quase indiferenciáveis, em termos químicos, e todos possuíam a mesma valência,
apesar de suas massas atômicas
subirem de maneira regular. Parecia ser impossível acomodá-los no
formato de grade da tabela, a não
ser que, de algum modo, fossem
todos colocados em um único espaço no período 6.
Os problemas trazidos à tona
por esses elementos -dez elementos de transição em cada um
dos períodos 4, 5 e 6, e, além disso
(como acabou ficando claro), 14
elementos terrosos raros no período 6- obrigaram Mendeleiev e
outros a testar formatos diferentes
de tabela -formas "longas", helicoidais, piramidais etc.- que,
em certo sentido, conferiram a ela
"dimensões" adicionais que podiam incluir espaço para os elementos de transição e terrosos raros. Durante a vida de Mendeleiev
foram publicadas quase cem tabelas desse tipo.
Se os químicos do século 19 se
surpreendiam continuamente ao
descobrir cada vez mais elementos
terrosos raros, seu espanto não foi
nada comparado ao que sentiram
na década de 1890, quando foi descrita uma família inteira de novos
elementos, a dos gases nobres, ou
inertes. O próprio Mendeleiev não
fizera idéia de sua existência e, de
início, os viu com ceticismo (inicialmente, pensou que o argônio,
o primeiro a ser descoberto, não
passasse de uma forma mais pesada de nitrogênio). Mas, com a descoberta dos outros -hélio, neônio, criptônio, xenônio e, finalmente, radônio-, ficou claro que
formavam um grupo periódico
perfeito. Outros grupos de elementos demonstravam possuir
analogias; também os gases nobres eram absolutamente idênticos, idênticos em sua incapacidade de formar compostos; aparentemente, tinham valência zero.
Então Mendeleiev acrescentou aos
oito grupos da tabela um grupo final, o grupo zero.
Com os gases nobres em seus devidos lugares, destacava-se o número de elementos em cada período: dois (hidrogênio e hélio) no
primeiro, oito no segundo e terceiro, oito "típicos" e dez "de
transição", num total de 18, nos
quarto e quinto períodos, oito
mais dez mais 14 elementos terrosos raros no sexto período, ou seja, 32. 2, 8, 8, 18, 18 e 32 -eram
esses os números mágicos. Mas o
que significavam esses números
misteriosos? E qual era, em termos
mais amplos, a base das propriedades químicas?
Mendeleiev voltava constantemente a essas questões, falava no
"mundo invisível dos átomos
químicos" e esperava encontrar
uma explicação da tabela periódica ao nível atômico. Ele ansiava
por uma nova "mecânica química", uma mecânica atômica comparável à mecânica clássica de
Newton. No entanto, podemos
nos indagar o que ele teria pensado da forma que a revolução acabou por assumir de fato, após sua
morte -uma forma totalmente
não-newtoniana, que pedia conceitos totalmente inimagináveis
em termos de mecânica clássica.
Mendeleiev estava na casa dos 80
anos quando tomou conhecimento da radiatividade, da transmutação e dos elétrons. Tudo isso o
perturbava -para ele, assim como para Dalton, os átomos eram
pequenas esferas indivisíveis,
imutáveis e indestrutíveis. Ele sentia que havia uma aritmética essencial que operava no reino atômico invisível, uma aritmética feita de números inteiros, que ele via
como sendo incompatível com a
existência de elétrons, ou qualquer coisa menos integral do que o
átomo.
A nova visão da constituição interna dos átomos surgiu em 1911,
quatro anos apenas após a morte
de Mendeleiev, quando Rutherford (ao bombardear folhas de ouro com partículas alfa e constatar
que, muito de vez em quando,
uma delas era desviada de volta)
inferiu que o átomo deveria ter
uma estrutura semelhante a um
sistema solar em miniatura, com
quase toda sua massa concentrada
no núcleo minúsculo, muito denso, positivamente carregado, e
cercado, a grande distância, por
elétrons relativamente isentos de
massa -o átomo nuclear. Tal átomo, se fosse regido pelas leis da
mecânica clássica, não seria estável; seus elétrons perderiam energia à medida que orbitassem, e,
cedo ou tarde, mergulhariam no
núcleo pesado. No entanto, a própria essência dos átomos era sua
absoluta estabilidade.
Trabalhando com Rutherford
em 1912, Bohr tinha plena consciência disso e da necessidade de
uma abordagem radicalmente nova. Ele a encontrou na teoria
quântica. Os estudos feitos por
Planck da radiação do calor e os de
Einstein com o efeito fotoelétrico
tinham indicado que a energia eletromagnética -luz, radiação-
não era contínua, mas emitia ou
absorvia em pacotes distintos, ou
"quanta". Num salto espantoso,
Bohr ligou esses conceitos ao modelo do átomo proposto por Rutherford e com a natureza muito
conhecida, mas antes inexplicável,
dos espectros óticos -o fato de
que eles não apenas eram característicos de cada elemento, mas
consistiam em uma multidão de
linhas -ou frequências- finas e
distintas. Todas essas considerações foram reunidas no átomo de
Bohr, no qual se considerava que
os elétrons ocupavam uma série
de órbitas, ou cascas, de energias
diferentes, em torno do núcleo.
Bohr falava dessas órbitas como
sendo "estados estacionários"
dotados de uma "estabilidade peculiar, mecanicamente inexplicável", que podia ser conservada por
bilhões de anos.
Embora não existisse difusão
energética do átomo nesses estados estacionários, poderia havê-lo
(se, por exemplo, o átomo fosse irradiado) -um salto de elétrons de
um nível energético a outro,
acompanhado pela emissão ou absorção de um quantum de energia.
Bohr divulgou seu modelo do
átomo na primavera de 1913, e alguns meses mais tarde Moseley,
usando raios X (que tinham comprimento de onda muito menor)
em lugar de luz visível, constatou a
existência de uma relação quase
íntima entre a ordem dos elementos e seu espectro de raios X, que
mudava de maneira simples e sistemática acompanhando a progressão dos elementos. Esses espectros singulares de raios X, com
seus incrementos distintos de frequência à medida que se passava
de um elemento a outro, podiam
ter correlação, pensou Moseley,
com o número de cargas positivas
no núcleo, e para isso era usada a
expressão "número atômico".
Com números atômicos não havia brechas, frações ou irregularidades, como havia com as massas
atômicas. Era o número atômico,
e não a massa atômica, que determinava a ordem dos elementos. E,
com a substituição das massas
atômicas por números atômicos
na tabela periódica, desapareciam
todas as anomalias inquietantes.
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