São Paulo, Domingo, 13 de Junho de 1999
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Experiências dramáticas

Eu já tinha um pequeno laboratório meu, onde passara muitas horas, e devia ter visto versões pequenas da tabela de Mendeleiev em livros. Mas o fato de ver a imensa tabela periódica no museu, de ter me sentido extasiado com a visão e de tê-la realmente assimilado pela primeira vez, foi o que me fez passar de uma espécie de abordagem aleatória ou enciclopédica -colecionando todas as substâncias químicas que encontrava, fazendo todas as experiências possíveis- a um enfoque mais sistemático, explorando por conta própria as tendências dos elementos.
Uma experiência simples, muito dramática (e ligeiramente perigosa), consistia em colocar pequenos torrões dos metais alcalinos em água e observar como aumentava sua reatividade à medida que se elevava sua massa atômica. Era preciso fazê-lo com cuidado, usando pinças, e equipando-se (e aos convidados) com óculos de proteção. O lítio se movia lentamente pela superfície da água, reagindo com ela, emitindo hidrogênio, até acabar; um torrão de sódio se movia pela superfície emitindo um chiado forte, mas, se o torrão fosse pequeno, não pegava fogo; o potássio, pelo contrário, pegava fogo assim que tocava na água, queimando com uma chama de cor violeta clara e expelindo glóbulos em todas as direções. O rubídio era ainda mais reativo, incendiando-se com uma chama vermelho rubi, e o césio, conforme fui descobrir, explodia ao atingir a água, rompendo o recipiente de vidro. Depois de um experimento desses, nunca mais se esquecia as propriedades dos metais alcalinos.
A tabela periódica não chegava a nos informar as propriedades dos elementos, mas, como uma árvore genealógica, atribuía lugares certos a cada um deles. O divertido, para mim, era voltar atrás, partindo de seus lugares (como haviam feito Mendeleiev e Lothar Meyer), para ver como as propriedades variavam segundo seu lugar e para mapear a geografia dessas tendências, para meu próprio deleite. O tungstênio e o césio me fascinavam -um tão duro, denso, infusível e não reativo, e o outro intensamente reativo, muito leve, quase um líquido à temperatura ambiente.
Meu tio me mostrara esses dois. Ele usava ambos em sua fábricas de lâmpadas, ao lado do ácido forte que é o fluoreto de hidrogênio, usado para "perolizar" as lâmpadas. Agora eu podia ver os lugares que ocupavam o tungstênio, o césio e o flúor na tabela periódica e podia calcular por conta própria por que ocupavam esses lugares. Podia representar em gráficos os pontos de derretimento e as densidades do tungstênio e seus elementos afins, do césio e seus colegas. Podia traçar em gráfico as propriedades físicas e químicas de todos os elementos, contrapondo-os a suas massas atômicas, e obter os gráficos mais belos e sedutores, com picos para os metais do grupo 1, leves e de átomos grandes, vales para os do grupo 8, densos e de átomos pequenos, e todos os intermediários, numa belíssima expressão gráfica da periodicidade.
Pelo que eu via, todas as propriedades concebíveis variavam periodicamente e eram ligadas, de alguma maneira, à massa atômica, mas o porquê de qualquer dos elementos possuir as propriedades que possuía, ou de tais propriedades se reapresentarem de maneira periódica, acompanhando a massa atômica, era um enigma total para mim, como o fora para Mendeleiev.
Embora a tabela original de Mendeleiev tivesse alguns erros e omissões, sua lógica e seu desenho eram tão claros que algumas singularidades se destacavam de imediato. Parecia haver dois espaços vazios entre o arsênico e o zinco. E o iodo e o telúrio pareciam estar invertidos, em termos de suas propriedades químicas.
Nos dois anos seguintes Mendeleiev dedicou longa reflexão a esses problemas (e outros), além de realizar vários experimentos em torno deles. Assim como mudara a posição do berílio, considerando incorretas sua valência e sua massa atômica supostas, ele audaciosamente mudou a posição de meia dúzia de outros elementos. Onde inicialmente estivera incerto sobre a suposta anomalia do telúrio e iodo, passou a insistir que esses elementos têm lugares baseados em suas características químicas evidentes -o telúrio no grupo 6 e o iodo no grupo 7, pressupondo que acabaria por se descobrir que suas massas atômicas estavam erradas.


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