São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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ARTE

por Suely Rolnik

1. Contribua para que a crise da arte na contemporaneidade submerja à espetacularização dos lugares a ela destinados e suas imagens midiáticas. Colabore com a confusão entre criação, marketing, entretenimento, volúpia niilista e conformismo.

2. Não dê ouvidos para as turbulências da vida, que, em seus pontos de obstrução, pede que se reinventem suas formas. Não perca tempo em investigá-lo nem corra riscos com experimentação de linguagens para dizê-lo. Contente-se com uma cosmética das turbulências.

3. Entregue sua força de criação à cafetinagem do capital, só assim você terá assegurada a natureza mercadológica de seu ser, sem a qual você corre o risco de cair no limbo. Deixe que o dinheiro público destinado à cultura apareça como privado e se subordine a estratégias de marketing.

4. Não acredite que seja possível negociar acordos entre vontade de expansão do lucro e vontade de expansão da vida. Não insista na criação de uma instância reguladora, composta de Estado, capital privado e meio artístico, que estabeleça direções para o investimento na cultura.

5. Crie formas que funcionem como identidades prêt-à-porter para maquiar as virtualidades dos novos modos de sensibilidade e percepção. Seu sucesso estará garantido pelo mercado em ascensão de subjetividades à beira do abismo. Evite que sua obra participe da sustentabilidade dessas mutações.

6. Adote em suas práticas artísticas um modo politicamente correto de relação com o outro: jogos "high-tech" de interatividade estéril, objetos baseados num ecumenismo multicultural etc. Só assim você garantirá a neutralização do poder disruptivo do encontro com o outro e se poupará de absorver e elaborar seus efeitos em sua obra.

7. Evite a vulnerabilidade e a falência de sentido. Caso contrário, você terá que suportar a insegurança das categorias, das instituições, das regras e dos mapas de sentido. Será obrigado a aprender a se sustentar à beira do acontecimento e a fazer de sua obra a construção de pontes para o visível.

8. Saiba que tendências de estilo dão a uma obra a chancela de contemporânea e crie clones. Esqueça que esse mundo do capitalismo globalizado é agitado por forças heterogêneas que formam diagramas singulares em cada ponto do planeta. Ignore que a arte participa da tomada de consistência dessa variação de contemporaneidades.

Suely Rolnik é psicanalista e professora titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), co-autora, com Félix Guattari, de "Micropolítica - Cartografias do Desejo" (Ed. Vozes), entre outros.


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