São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RELIGIÃO

por Otavio Frias Filho

1. Todos os deuses, todas as crenças, todos os sistemas religiosos serão aceitos ao mesmo tempo. Como os antigos romanos, toleraremos todos exatamente por não acreditar a fundo em nenhum deles.

2. Nossa fé se reduziu à crença numa energia cósmica qualquer, uma "força". O sobrenatural foi naturalizado sob influência da mentalidade científica, a exemplo do Deus impessoal de Einstein.

3. Livres dos grandes sistemas religiosos, estamos livres também para ver em cada uma de suas fábulas um "sinal" daquela "força". Não existem coincidências, todas elas têm origem sobrenatural.

4. Gnomos, espíritos, magos, anjos, duendes, demônios -um cortejo de quimeras extintas pela luz elétrica- ressuscitam, assim, no ecletismo da nova religião, a mais relativista que já houve, apta a admitir quaisquer fantasias e ignorar contradições entre elas.

5. A religião passou a fazer parte do sistema geral da mercadoria. Toda heresia agora é canônica. Dos sistemas religiosos arcaicos, somente o islamismo ainda resiste como religião tradicional (aquela que é "verdadeira", enquanto as demais são "falsas").

6. No Ocidente, a religião pode até reforçar as aparências de misticismo, mas seu conteúdo a converteu seja em rede social de auto-ajuda, seja em altar solitário do Deus-ego, sempre voltada, porém, ao mundo material e imediato.

7. Onde houver um caldo de cultura reativo à "globalização", a religião continuará a ser excelente veículo para organizar ressentimentos e dar valor moral à violência.

8. A nova religião é orgulhosamente irracional, como as tradicionais, mas sua mitologia é "científica", seus propósitos são práticos e sua natureza é animista.

Otavio Frias Filho é jornalista, diretor de Redação da Folha e autor de peças teatrais.


Texto Anterior: Arte
Próximo Texto: Filosofia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.