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M FANTASMA
ASSOMBRA A EUROPA
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!
Um dos principais pensadores da esquerda americana, Michael Hardt, 45, considera que, hoje, qualquer
país europeu reúne condições para a
eclosão de distúrbios similares aos
que ocorrem na França.
Professor de literatura na Universidade Duke (EUA), seu nome passou a ter circulação internacional
quando lançou em 2000, com o filósofo italiano Antonio Negri, "Império" (ed. Record).
O livro foi visto como uma renovação pós-moderna da esquerda, ao
aposentar o conceito de imperialismo e substituí-lo pelo de "império".
Para eles, nos tempos atuais não há
mais sentido em falar apenas em dominação de um Estado sobre o outro, mas, sim, de uma nova forma de
soberania: um "poder em rede" formado de Estados-nações dominantes, instituições supranacionais,
grandes corporações capitalistas etc.
A continuação viria quatro anos
depois com "Multidão" (lançado
neste ano no Brasil pela mesma editora), em que a dupla defende uma
"alternativa viva" de resistência aos
imperativos econômicos da globalização. Tangenciando os esquemas
da esquerda marxista, Hardt e Negri
acreditam na existência de "uma rede aberta e em expansão na qual todas as diferenças podem ser expressas aberta e igualitariamente".
Mas na entrevista abaixo Hardt vê
os distúrbios na França em termos
mais conservadores (ou marxistas)
-não "uma luta contra a "soberania", mas contra a estrutura de pobreza e exclusão racial no país".
Folha - Como a mídia e os intelectuais norte-americanos estão vendo
os distúrbios na Europa?
Michael Hardt - A mídia nos EUA
devota muito pouco tempo ao que
está acontecendo na França, mas,
quando falam disso, apresentam como algo especificamente francês.
Acho que é um erro. Seria mais útil
apresentá-lo relacionado com os
conflitos de 1992, em Los Angeles.
Podemos ver facilmente que a revolta na França responde a condições
que prevalecem em todos os países
ricos da Europa.
Folha - Para a polícia francesa, não
há nenhuma liderança coordenando
os ataques. Isso não é, dentro das
fronteiras de uma nação, um exemplo
de luta contra a "soberania"?
Hardt - Como os distúrbios de Los
Angeles (EUA) de 1992, os acontecimentos atuais na França são uma luta não contra a "soberania", mas
contra a estrutura de pobreza e exclusão racial no país.
Folha - Como resolver, nas democracias, o conflito entre republicanismo e
comunitarismo, entre valores universais e o respeito às minorias? A política de ação afirmativa é uma solução
para a Europa?
Hardt - Não acho que "republicanismo" e "comunitarismo" sejam as
únicas alternativas. Diria que a resposta apropriada seria ajudar as populações nas periferias pobres francesas a construírem sua própria rede
autônoma de apoio e desenvolvimento, para possibilitar que as comunidades de base trabalhem para
criar soluções.
Folha - Por que as economias se globalizam cada vez mais enquanto o nacionalismo cultural ganha cada vez
mais terreno?
Hardt - Parece-me um erro interpretar os acontecimentos atuais na
França em termos de nacionalismo
cultural. Isso não é um "choque de
civilizações". São os jovens franceses
que estão se rebelando contra sua
exclusão e subordinação na sociedade francesa. É por isso que a comparação com as revoltas de Los Angeles
ajuda a compreensão.
Sim, há diferenças culturais e raciais que demarcam a linha dos conflitos nos dois casos. Mas o essencial
nos dois casos é a existência de pobreza e exclusão social. Não é um paradoxo que esse tipo de conflito chegue na era da globalização. Esse tipo
de pobreza e exclusão é resultado do
neoliberalismo igualmente em Paris,
Nova Orleans e São Paulo.
Folha - Essa é a única globalização
possível para os menos favorecidos?
Hardt - Não é difícil reconhecer como a situação piorou nos anos recentes com a retirada de verba de
programas sociais preexistentes,
exacerbando a pobreza e exclusão,
preparando as condições para desastres tanto em Paris como em Nova Orleans. Essa é a face da globalização neoliberal até nos países ricos.
Folha - Qual seria a solução?
Hardt - Não é simplesmente restaurar as estruturas da assistência social
que foram destruídas (por mais que
esse seja um bom começo), mas oferecer aos pobres e excluídos os
meios para se organizarem por si
mesmos e se integrarem à sociedade
dominante por si mesmos. Uma
idéia que vem sendo discutida na
França há muitos anos é a garantia
de uma renda mínima que todos na
sociedade receberiam. Esse seria um
excelente primeiro passo.
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