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Em "Diário de Guadalcanal", o jornalista Richard Tregaskis descreve
a primeira contra-ofensiva dos EUA no oceano Pacífico na 2ª Guerra
O animador de torcida
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há dois motivos para ainda
ler "Diário de Guadalcanal", livro de 1943 do jornalista Richard Tregaskis.
Trata-se de uma rara narrativa pessoal de um momento crucial da Segunda Guerra, a primeira contra-ofensiva norte-americana no Pacífico. E é um livro que mostra uma maneira de fazer jornalismo de guerra
que se considerava datada -até ser
ressuscitada durante a invasão do
Iraque pelos EUA em 2003.
Guadalcanal é uma ilha do Pacífico
sul, estrategicamente localizada entre os EUA e a Austrália. Em 7 de
agosto de 1942 os americanos decidiram retomá-la, quando perceberam que os japoneses ali construíam
uma base aérea. Dois correspondentes foram junto com as tropas, um
deles um sujeito de mais de 1,90 m,
Tregaskis.
Ele passou dois meses na ilha vivenciando algo raríssimo no século
20. Os EUA estavam em paridade
com um inimigo convencional e
mesmo em inferioridade em certos
momentos. No período em que esteve lá, os japoneses eram capazes de
bombardear de navio e de avião as
posições americanas, algo impensável hoje.
Na Segunda Guerra, os correspondentes de guerra anglo-saxões se
comportavam de modo geral como
"animadores de torcida". É o que se
esperava deles, que publicassem notícias que ajudassem o esforço de
guerra. Sofriam censura, mas tinham um grau de liberdade, ao contrário de seus colegas de países totalitários, como Alemanha e União
Soviética, recrutados para o esforço
como se fossem militares.
Soldados heróicos
Tregaskis escreve como quem procura dar boas notícias para o público
em casa. Seus soldados são sempre
heróicos, o resultado dos combates é
quase sempre favorável aos EUA,
apesar de o inimigo ser brutal. Isso
não quer dizer que seja desonesto.
Suas descrições são autênticas e primorosas. Mas a necessidade de mostrar sempre um lado positivo o faz
ser pouco cético em relação ao que
lhe dizem os militares.
E nem é o caso de achar que também os militares estejam agindo de
má-fé. O problema é que a guerra é o
domínio por excelência da imprecisão. Não há como checar o outro lado. No calor do combate, as impressões superam os fatos.
Tregaskis não desconfia de nada
do que lhe dizem. Numa hora ele
conta que 40 aviões japoneses foram
abatidos, dos 40 que atacaram. Isso
nunca aconteceu, mas ele não questiona o absurdo da afirmação. Em
nenhum lugar, em nenhum momento da guerra um combatente teve uma perda tão catastrófica. Sem
dúvida seria algo comemorável.
O livro foi publicado em 1943 e tornou-se filme de propaganda, o que
dá uma boa medida do seu conteúdo. Há muitas alegações sem comprovação.
A principal falha da reedição -e
isso vale também para a nova publicação americana, de 2000- é a falta
de contextualização (um mapa também ajudaria, a não ser que se saiba
onde ficam Matanikau ou Tulagi ou
Tenaru).
Hoje se conhece bem melhor a batalha por Guadalcanal. Algumas notas de rodapé teriam informado ao
leitor sobre o que de fato aconteceu,
sem que isso se constituísse crítica
ao autor. Tregaskis fez o melhor que
pôde com as informações disponíveis então.
Sem contar que passou por maus
bocados e nem se vangloriou disso,
como jornalistas menores fariam.
Dá pra imaginar o drama quando
um atirador de tocaia (traduzido imprecisamente como "franco-atirador") tenta acertá-lo, e ele procura
esconder seu mais de 1,90 m atrás de
uma árvore fina. Tregaskis gostaria
de ter um fuzil, então. Jornalistas
não usam armas, apesar de nessa
guerra andarem uniformizados.
O estilo "animador de torcida" podia ter algum sentido na Segunda
Guerra, mas depois perdeu razão de
ser, em guerras sobre as quais não
havia consenso social. Tregaskis
também fez um "Diário do Vietnã",
sobre pilotos de helicóptero no começo da intervenção americana nesse país nos anos 60. O livro é claramente acrítico e patrioteiro, especialmente quando se compara com
o que fazia então uma geração de
jornalistas mais jovens e mais críticos, como David Halberstam, Neil
Sheehan e Peter Arnett.
Mas, 60 anos depois, o jornalismo
de Tregaskis teve uma ressurreição,
com os colegas "encaixados" em
unidades militares pelos EUA na invasão do Iraque. Os militares dos
EUA perceberam o óbvio: que os
jornalistas teriam empatia com as
tropas com as quais viajariam. Nada
de muito errado nisso, pois cobrir as
tropas era parte da missão. Mas
-algo que Tregaskis não entenderia- isso era apenas uma parte.
Diário de Guadalcanal
242 págs., R$ 44,90
de Richard Tregaskis. Ed. Objetiva (rua
Cosme Velho, 103, CEP 22241-090, Rio de
Janeiro, RJ, tel.0/xx/21/2556-7824).
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