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Ponto de fuga
A exposição e o estudo
Jorge Coli
especial para a Folha
A Pinacoteca do Estado abrigou, recentemente, a coleção "Brasiliana",
como ela está sendo conhecida. São
pinturas, gravuras, desenhos voltados
para a iconografia brasileira do passado. Foram reunidos em Paris por Jacques Kugel, um colecionador que, por
motivos misteriosos, interessou-se
pelo Brasil. Ele morreu em 1987.
A coleção poderia ter sido dispersada. Felizmente a Fundação Ranck-Packard decidiu comprá-la. Kugel tinha faro e discernimento, e o conjunto é importante. Vários quadros e desenhos são de qualidade muito alta,
todos têm indiscutível interesse.
O ponto espetacular é o papel de parede de 15 metros de comprimento,
com cenas inspiradas em Rugendas,
datado de 1830. Outras obras admiráveis são mais secretas, como o estupendo retrato da marquesa de Belas,
por Taunay.
O melhor, porém, é que tudo isso
está sendo estudado com rigor, empenho entusiasmado e inteligência lúcida. Carlos Martins e Valéria Piccoli,
encabeçando as pesquisas, dão um
exemplo do que deve ser uma história
da arte que não se contenta com o
aproximativo ou se perde no intelectualismo fácil. Buscam atribuições
controladas e justas, elucidam questões espinhosas de iconografia.
Assim, a mostra da Pinacoteca surge como o resultado estimulante dessas análises. As mesmas qualidades se
encontram no catálogo que, com esplêndidas reproduções, não tem nada
do "livro de arte" destinado à mesinha de centro. É um instrumento necessário para qualquer reflexão sobre
a cultura visual brasileira.
Coerência - Há exposições e exposições. Com "Brasil 500 anos - Descobrimento e Colonização" o Masp associou-se às comemorações do quinto centenário da descoberta. Houve
um esforço para trazer algumas obras
e documentos de Portugal, entre eles
o Tratado de Tordesilhas. Mas a trama de escolhas é frouxa, sem reflexão
e heteróclita. Que certas obras sejam
belas, não há dúvida. Mas qual é o
sentido de pôr, no mesmo saco, um
santo flamengo do século 16, o traçado urbano de Cuiabá no século 18, a
"Moema" de Victor Meirelles e uma
vista litorânea de Benedito Calixto?
Por mais que o título tente amarrar
tudo isso com a idéia de colonização,
não basta pingar aqui e ali uma obra
mais ou menos adequada, fora de
qualquer contexto cerrado ou de fio
condutor coerente. É verdade que as
plantas das cidades do século 18, com
seus riscos ortogonais, atenuam bastante o mito do ladrilhador e do semeador, inventado por Sergio Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil". Nada é discutido, porém, nessa
mostra à deriva entre o fetichismo documental e o pretexto ilustrativo.
Holzwege - Alguns leitores poetas
mandam seus livros para esta coluna.
São sempre fascinantes. Os grandes
poemas da história trazem uma vibração que subjuga. Em sua plenitude, eles se encontram muito além da
fímbria situada entre poesia e não-poesia. Os autores modestos ou principiantes, ao contrário, alinham versos, num esforço para cruzar a fronteira, tentando chegar à boa senda.
É possível assim acompanhar tais
tentativas e surpreender, como por
uma fresta, o instante frágil da travessia. Então, certas palavras se transfiguram numa breve centelha.
Ginga - Mário de Andrade escreveu,
nos anos de 1930, o libreto para uma
pequena ópera intitulada "Pedro Malazarte". É bastante datado, ao exprimir um nacionalismo que se quer como síntese de manifestações regionais. Mas Camargo Guarnieri, com
sua música, criou uma obra-prima.
Havia 20 anos e tanto que essa ópera
não era encenada em S. Paulo. A apresentação recente, no teatro S. Pedro,
demonstrou a injustiça desse esquecimento. Ela deveria já estar gravada e
promovida, no Brasil e fora dele.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com
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