São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ponto de fuga

A exposição e o estudo

Jorge Coli
especial para a Folha

A Pinacoteca do Estado abrigou, recentemente, a coleção "Brasiliana", como ela está sendo conhecida. São pinturas, gravuras, desenhos voltados para a iconografia brasileira do passado. Foram reunidos em Paris por Jacques Kugel, um colecionador que, por motivos misteriosos, interessou-se pelo Brasil. Ele morreu em 1987.
A coleção poderia ter sido dispersada. Felizmente a Fundação Ranck-Packard decidiu comprá-la. Kugel tinha faro e discernimento, e o conjunto é importante. Vários quadros e desenhos são de qualidade muito alta, todos têm indiscutível interesse.
O ponto espetacular é o papel de parede de 15 metros de comprimento, com cenas inspiradas em Rugendas, datado de 1830. Outras obras admiráveis são mais secretas, como o estupendo retrato da marquesa de Belas, por Taunay.
O melhor, porém, é que tudo isso está sendo estudado com rigor, empenho entusiasmado e inteligência lúcida. Carlos Martins e Valéria Piccoli, encabeçando as pesquisas, dão um exemplo do que deve ser uma história da arte que não se contenta com o aproximativo ou se perde no intelectualismo fácil. Buscam atribuições controladas e justas, elucidam questões espinhosas de iconografia.
Assim, a mostra da Pinacoteca surge como o resultado estimulante dessas análises. As mesmas qualidades se encontram no catálogo que, com esplêndidas reproduções, não tem nada do "livro de arte" destinado à mesinha de centro. É um instrumento necessário para qualquer reflexão sobre a cultura visual brasileira.

Coerência - Há exposições e exposições. Com "Brasil 500 anos - Descobrimento e Colonização" o Masp associou-se às comemorações do quinto centenário da descoberta. Houve um esforço para trazer algumas obras e documentos de Portugal, entre eles o Tratado de Tordesilhas. Mas a trama de escolhas é frouxa, sem reflexão e heteróclita. Que certas obras sejam belas, não há dúvida. Mas qual é o sentido de pôr, no mesmo saco, um santo flamengo do século 16, o traçado urbano de Cuiabá no século 18, a "Moema" de Victor Meirelles e uma vista litorânea de Benedito Calixto?
Por mais que o título tente amarrar tudo isso com a idéia de colonização, não basta pingar aqui e ali uma obra mais ou menos adequada, fora de qualquer contexto cerrado ou de fio condutor coerente. É verdade que as plantas das cidades do século 18, com seus riscos ortogonais, atenuam bastante o mito do ladrilhador e do semeador, inventado por Sergio Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil". Nada é discutido, porém, nessa mostra à deriva entre o fetichismo documental e o pretexto ilustrativo.

Holzwege - Alguns leitores poetas mandam seus livros para esta coluna. São sempre fascinantes. Os grandes poemas da história trazem uma vibração que subjuga. Em sua plenitude, eles se encontram muito além da fímbria situada entre poesia e não-poesia. Os autores modestos ou principiantes, ao contrário, alinham versos, num esforço para cruzar a fronteira, tentando chegar à boa senda.
É possível assim acompanhar tais tentativas e surpreender, como por uma fresta, o instante frágil da travessia. Então, certas palavras se transfiguram numa breve centelha.

Ginga - Mário de Andrade escreveu, nos anos de 1930, o libreto para uma pequena ópera intitulada "Pedro Malazarte". É bastante datado, ao exprimir um nacionalismo que se quer como síntese de manifestações regionais. Mas Camargo Guarnieri, com sua música, criou uma obra-prima. Havia 20 anos e tanto que essa ópera não era encenada em S. Paulo. A apresentação recente, no teatro S. Pedro, demonstrou a injustiça desse esquecimento. Ela deveria já estar gravada e promovida, no Brasil e fora dele.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com


Texto Anterior: Lançamentos
Próximo Texto: + cinema - Rogerio Sganzerla: Gosto pelo imprevisível
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.