São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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O roteirista de Einstein

Colaborador de Louis Malle e Buñuel, Jean-Claude Carrière recria em livro a trajetória do físico alemão

PETER FORBES

Foi Albert Einstein quem derrubou nossas idéias ingênuas sobre o espaço e o tempo, apresentando-nos um universo em que eles estão entrelaçados e são distorcidos por objetos pesados e qualquer coisa que viaje numa velocidade próxima à da luz. Por isso, é um capricho simpático pensar no próprio Einstein habitando para sempre seu próprio espaço-tempo pessoal, um reino em que ele ainda pode -50 anos após sua morte e cem anos após seu "annus mirabilis" de descobertas- responder a perguntas sobre suas teorias e conversar com Newton.
Esse é Einstein como o Senhor do Tempo da Relatividade ou, de forma menos grandiosa, o senhor de um país das maravilhas à Lewis Carroll, cujo idioma geralmente é "jabberwocky" para nossos ouvidos.
Essa é a idéia por trás do mais recente livro de Jean-Claude Carrière, "Einstein, S'Il Vous Plaît" [Einstein, Por Favor, Odile Jacob, 19,95, R$ 52]. Carrière, um homem vigoroso de 75 anos com uma clássica barba francesa e olhar triste, é um dos mais ilustres roteiristas de cinema do mundo: colaborador de Buñuel por 18 anos, com "A Bela da Tarde" (1967), "O Discreto Charme da Burguesia" (1973) e "Esse Obscuro Objeto de Desejo" (1977) na bagagem, além de outros clássicos como "Loucuras de uma Primavera" (1989), de Louis Malle. Ele adaptou o "Mahabharata" para a produção original francesa de Peter Brook em 1985.
Então, que estranha distorção do espaço-tempo levou esse artista até Einstein? "Tive uma educação clássica", ele me conta, "sem nenhum contato com a ciência -não era chique na época. Mas, quando tinha quase 50 anos, senti que faltava alguma coisa na minha vida. Tive a vaga sensação de que estava perdendo os maiores avanços da mente no século 20. Em outras palavras, ia morrer um idiota. Tinha ouvido falar vagamente em mecânica quântica, mas, aos 47 anos, não sabia a diferença entre um nêutron e um próton".

Contato com a astrofísica
Ao longo de suas viagens como roteirista, ele conheceu o astrofísico canadense Hubert Reeves, que o apresentou a dois colegas franceses, Michel Cassé e Jean Audouze. "Nós nos demos muito bem", ele explica. "Na época eu estava trabalhando no "Mahabharata". Então os convidei para ver nosso trabalho. E eles me convidaram para ver seu trabalho. Fui ao Instituto de Astrofísica de Paris. E decidimos que eu iria visitá-los uma vez por semana."
Foi a situação pedagógica ideal. "Tinha muitas histórias para lhes contar. Mitos, lendas, as origens da arte, desejos e sonhos. Por outro lado, eles tinham muito a me ensinar. Foram aulas de quadro-negro. Ali estavam um aluno e dois professores, e nem sempre concordavam!"
O resultado das aulas foi o livro em colaboração chamado "Conversations on the Invisible" [Conversas sobre o Invisível]. Depois veio outro livro colaborativo de física. "Então, cerca de dois ou três anos atrás, pensei: por que não escrever um livro sozinho? Eu adoro a colaboração, mas de tempos em tempos escrevo livros sozinho... Então tive a idéia de escrever um livro sobre Einstein sem usar nada de matemática ou símbolos científicos."
Carrière inspirou-se no fato de que o próprio Einstein tentou muitas vezes explicar em palavras simples seu objeto de trabalho: "Você sabe que ele respondeu a todas as cartas que recebeu na vida? E as pessoas sempre tentavam convencê-lo de que estava errado. Assim, o fato de que o próprio Einstein tentava explicar sua ciência foi um incentivo".
Como roteirista de cinema, Carrière sabia que o livro tinha de ser ancorado de alguma forma no estilo de "O Mundo de Sofia" [de Jostein Gaarder, Companhia das Letras], em torno de uma garota anônima que aborda Einstein: "O senhor disse que o tempo não existe, então decidi acreditar na sua palavra".
Segundo Carrière, "essa simples frase me deu a chave. Sem essa frase talvez eu não tivesse escrito o livro". E, paradoxalmente, toda a viagem no tempo ocorre numa única sala: "Você tem uma sala com uma porta. Você abre a porta e pode estar onde quiser, quando quiser. Pode estar no meio das estrelas".
Uma das grandes descobertas científicas é que o espectro das estrelas prova que os elementos químicos que elas contêm são os mesmos que existem na Terra, e Carrière é fascinado pelo fato de que, quando descobrimos a vastidão inimaginável do universo, também descobrimos nosso parentesco com as estrelas.
Uma das delícias de "Einstein, Por Favor" é que, embora Carrière claramente reverencie Einstein, não tem uma atitude embaraçosa de prostração diante do gênio.
Carrière apresenta Einstein como um profeta relutante que apenas queria prosseguir com seu trabalho e que desprezava as besteiras de celebridade que o importunavam: "Ele detestava ser chamado de profeta. Quando foi ao Japão, uma multidão enorme o seguiu pelas ruas em silêncio. Ele era o que conhecia os segredos do universo". Na distorção do espaço-tempo deste livro, os dois maiores físicos da história podem se encontrar e discutir. Newton está aborrecido porque Einstein arruinou seu universo ordenado. Como diz Carrière, "Newton achava que o espaço era uma caixa vazia em que Deus havia colocado as estrelas".
Na época, o sistema de Newton parecia tão tranqüilizadoramente racional, uma confirmação da necessidade humana de ordem, que é compreensível sua perturbação ao saber do trabalho de demolição parcial de suas teorias feito por Einstein.

Trabalho com Milos Forman
O projeto Einstein de Carrière cumpriu vários objetivos. Garantiu que não morrerá idiota (como ele mesmo reconhece), e um objetivo consciente foi "atrair os jovens para a ciência". E ele quase não prejudicou seu prolífico trabalho para o cinema. Atualmente está trabalhando com Milos Forman em "Goya's Ghosts" [Os Fantasmas de Goya], que deve ser lançado neste ano.
Mas a mais famosa das muitas colaborações de Carrière com diretores ilustres foi seu trabalho durante 18 anos com Luis Buñuel.
Em "Einstein, Por Favor", Carrière aborda a responsabilidade da ciência em geral, e a de Einstein em particular, pelas tragédias do século 20, especialmente a bomba. O Einstein de Carrière tem certeza de que os seres humanos dos séculos 20 e 21 não são piores ou melhores do que sempre foram; a ciência certamente nos deu novos meios de gerar destruição, mas esse conhecimento sempre nos pôs diante de dilemas morais. A sensibilidade humana de Carrière faz dele a pessoa ideal para humanizar Einstein, um homem que foi "vítima de seu próprio gênio".


Este texto foi publicado no "Independent".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.


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