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O roteirista de Einstein
Colaborador de Louis Malle e Buñuel, Jean-Claude Carrière recria em livro a trajetória do físico alemão
PETER FORBES
Foi Albert Einstein quem derrubou nossas idéias ingênuas
sobre o espaço e o tempo,
apresentando-nos um universo em que eles estão entrelaçados e
são distorcidos por objetos pesados
e qualquer coisa que viaje numa velocidade próxima à da luz. Por isso, é
um capricho simpático pensar no
próprio Einstein habitando para
sempre seu próprio espaço-tempo
pessoal, um reino em que ele ainda
pode -50 anos após sua morte e
cem anos após seu "annus mirabilis" de descobertas- responder a
perguntas sobre suas teorias e conversar com Newton.
Esse é Einstein como o Senhor do
Tempo da Relatividade ou, de forma
menos grandiosa, o senhor de um
país das maravilhas à Lewis Carroll,
cujo idioma geralmente é "jabberwocky" para nossos ouvidos.
Essa é a idéia por trás do mais recente livro de Jean-Claude Carrière,
"Einstein, S'Il Vous Plaît" [Einstein,
Por Favor, Odile Jacob, 19,95, R$
52]. Carrière, um homem vigoroso
de 75 anos com uma clássica barba
francesa e olhar triste, é um dos mais
ilustres roteiristas de cinema do
mundo: colaborador de Buñuel por
18 anos, com "A Bela da Tarde"
(1967), "O Discreto Charme da Burguesia" (1973) e "Esse Obscuro Objeto de Desejo" (1977) na bagagem,
além de outros clássicos como "Loucuras de uma Primavera" (1989), de
Louis Malle. Ele adaptou o "Mahabharata" para a produção original
francesa de Peter Brook em 1985.
Então, que estranha distorção do
espaço-tempo levou esse artista até
Einstein? "Tive uma educação clássica", ele me conta, "sem nenhum
contato com a ciência -não era chique na época. Mas, quando tinha
quase 50 anos, senti que faltava alguma coisa na minha vida. Tive a vaga
sensação de que estava perdendo os
maiores avanços da mente no século
20. Em outras palavras, ia morrer
um idiota. Tinha ouvido falar vagamente em mecânica quântica, mas,
aos 47 anos, não sabia a diferença
entre um nêutron e um próton".
Contato com a astrofísica
Ao longo de suas viagens como roteirista, ele conheceu o astrofísico
canadense Hubert Reeves, que o
apresentou a dois colegas franceses,
Michel Cassé e Jean Audouze. "Nós
nos demos muito bem", ele explica.
"Na época eu estava trabalhando no
"Mahabharata". Então os convidei
para ver nosso trabalho. E eles me
convidaram para ver seu trabalho.
Fui ao Instituto de Astrofísica de Paris. E decidimos que eu iria visitá-los
uma vez por semana."
Foi a situação pedagógica ideal.
"Tinha muitas histórias para lhes
contar. Mitos, lendas, as origens da
arte, desejos e sonhos. Por outro lado, eles tinham muito a me ensinar.
Foram aulas de quadro-negro. Ali
estavam um aluno e dois professores, e nem sempre concordavam!"
O resultado das aulas foi o livro em
colaboração chamado "Conversations on the Invisible" [Conversas
sobre o Invisível]. Depois veio outro
livro colaborativo de física. "Então,
cerca de dois ou três anos atrás, pensei: por que não escrever um livro
sozinho? Eu adoro a colaboração,
mas de tempos em tempos escrevo
livros sozinho... Então tive a idéia de
escrever um livro sobre Einstein sem
usar nada de matemática ou símbolos científicos."
Carrière inspirou-se no fato de que
o próprio Einstein tentou muitas vezes explicar em palavras simples seu
objeto de trabalho: "Você sabe que
ele respondeu a todas as cartas que
recebeu na vida? E as pessoas sempre tentavam convencê-lo de que estava errado. Assim, o fato de que o
próprio Einstein tentava explicar
sua ciência foi um incentivo".
Como roteirista de cinema, Carrière sabia que o livro tinha de ser ancorado de alguma forma no estilo de
"O Mundo de Sofia" [de Jostein
Gaarder, Companhia das Letras],
em torno de uma garota anônima
que aborda Einstein: "O senhor disse que o tempo não existe, então decidi acreditar na sua palavra".
Segundo Carrière, "essa simples
frase me deu a chave. Sem essa frase
talvez eu não tivesse escrito o livro".
E, paradoxalmente, toda a viagem
no tempo ocorre numa única sala:
"Você tem uma sala com uma porta.
Você abre a porta e pode estar onde
quiser, quando quiser. Pode estar no
meio das estrelas".
Uma das grandes descobertas
científicas é que o espectro das estrelas prova que os elementos químicos
que elas contêm são os mesmos que
existem na Terra, e Carrière é fascinado pelo fato de que, quando descobrimos a vastidão inimaginável
do universo, também descobrimos
nosso parentesco com as estrelas.
Uma das delícias de "Einstein, Por
Favor" é que, embora Carrière claramente reverencie Einstein, não tem
uma atitude embaraçosa de prostração diante do gênio.
Carrière apresenta Einstein como
um profeta relutante que apenas
queria prosseguir com seu trabalho
e que desprezava as besteiras de celebridade que o importunavam: "Ele
detestava ser chamado de profeta.
Quando foi ao Japão, uma multidão
enorme o seguiu pelas ruas em silêncio. Ele era o que conhecia os segredos do universo". Na distorção do espaço-tempo deste livro, os dois
maiores físicos da história podem se
encontrar e discutir. Newton está
aborrecido porque Einstein arruinou seu universo ordenado. Como
diz Carrière, "Newton achava que o
espaço era uma caixa vazia em que
Deus havia colocado as estrelas".
Na época, o sistema de Newton parecia tão tranqüilizadoramente racional, uma confirmação da necessidade humana de ordem, que é compreensível sua perturbação ao saber
do trabalho de demolição parcial de
suas teorias feito por Einstein.
Trabalho com Milos Forman
O projeto Einstein de Carrière
cumpriu vários objetivos. Garantiu
que não morrerá idiota (como ele
mesmo reconhece), e um objetivo
consciente foi "atrair os jovens para
a ciência". E ele quase não prejudicou seu prolífico trabalho para o cinema. Atualmente está trabalhando
com Milos Forman em "Goya's
Ghosts" [Os Fantasmas de Goya],
que deve ser lançado neste ano.
Mas a mais famosa das muitas colaborações de Carrière com diretores ilustres foi seu trabalho durante
18 anos com Luis Buñuel.
Em "Einstein, Por Favor", Carrière
aborda a responsabilidade da ciência em geral, e a de Einstein em particular, pelas tragédias do século 20,
especialmente a bomba. O Einstein
de Carrière tem certeza de que os seres humanos dos séculos 20 e 21 não
são piores ou melhores do que sempre foram; a ciência certamente nos
deu novos meios de gerar destruição, mas esse conhecimento sempre
nos pôs diante de dilemas morais. A
sensibilidade humana de Carrière
faz dele a pessoa ideal para humanizar Einstein, um homem que foi "vítima de seu próprio gênio".
Este texto foi publicado no "Independent".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
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