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Despertar em Chicago
da Reportagem Local
Eram 17h de um domingo quando William Faulkner chegou como
um dos representantes dos EUA
(ao lado do poeta Robert Frost,
que viria mais tarde) para participar do Congresso Internacional de
Escritores, promovido em comemoração ao Quarto Centenário de
São Paulo.
A cidade completava 400 anos e
passava por uma temporada de
festividades, acompanhando com
atenção a crise política no país. Entre congressos de médicos, engenheiros e contadores, Faulkner era
uma das estrelas da celebração.
O avião da companhia Braniff
havia pousado uma hora antes do
esperado. Faulkner matou o tempo no bar do aeroporto de Congonhas, esperando que alguém surgisse para apanhá-lo.
O crítico Osmar Pimentel (que
morreu em 1989) chegou acompanhado de John Campbell e Leroy
Benoit, membros do consulado
norte-americano, e encontrou,
como escreveria 12 anos mais tarde em um texto memorialístico,
uma figura "imperturbável".
Faulkner estava encostado em
uma pilastra, fumando cachimbo.
Usava um terno marrom, um lenço branco no bolso e outro vermelho, guardado na manga esquerda
do paletó, que ele tirava como
"num passe de mágica" (escreveu
na época um jornal), a fim de com
ele poder enxugar o rosto. Estava
bêbado.
Começava a experiência brasileira do autor de "Palmeiras Selvagens", que incluiria, ao longo dos
dias, cobras, fazendas, entrevistas
e sempre muito álcool.
Do apego ao uísque nasce uma
de suas mais famosas lendas. A de
que teria acordado na manhã de
segunda-feira, em um quarto do
Esplanada Hotel, que funcionava
em um luxuoso prédio no centro
da cidade, e, após olhar pela janela, perguntado: "Mas que diabos
vim fazer em Chicago?". O caso
permanece sem confirmação.
"Na verdade, ele passou o tempo todo embriagado, o que impediu que eu tivesse um contado
maior com ele", recorda o crítico
literário Wilson Martins, um dos
participantes do congresso de 54.
Martins falou à Folha sobre outra particularidade do escritor. A
extrema atração por cavalos: "Ele
preferia estar em um haras do que
em qualquer outro lugar da cidade
discutindo literatura. Não participou de quase nada", conta, e ri ao
evocar a lembrança.
"Sou um homem da terra que
escreve histórias", dizia Faulkner
para a imprensa paulista, que estranhava sua ausência nas atividades programadas que aconteciam
na Biblioteca Municipal (hoje Biblioteca Mário de Andrade).
Faulkner, apesar de ser o vice-presidente do Congresso de Escritores (o ensaísta Paulo Duarte
era o presidente), passou os primeiros três dias de sua estada no
quarto -e no bar- do Esplanada. Saía apenas para jantares, como em um restaurante de comida
russa, na rua Ana Cintra, no centro da capital, onde, para homenageá-lo, uma orquestra local tocou
a folclórica canção "Saint Louis
Blues". Faulkner, irônico, perguntou se alguém do consulado havia
nascido no Alabama.
Outro encontro com intelectuais
locais aconteceu em uma noite do
dia 9 de agosto, no apartamento
dos escritores Maria Lourdes Teixeira e José Geraldo Vieira, no Largo do Arouche. O casal ofereceu a
Faulkner um coquetel.
Entre os convidados, os poetas
João Cabral de Melo Neto e Péricles Eugênio da Silva Ramos e o
cronista Rubem Braga.
Também participava um jovem
promotor, filho da anfitriã, que,
naquela tarde, havia tomado um
trem da cidade de Jaboticabal (SP)
para se encontrar com Faulkner: o
romancista e ensaísta Rubens Teixeira Scavone, hoje com 72 anos,
autor de dois livros sobre a obra do
escritor e atual presidente da Academia Paulista de Letras.
"Quando cheguei à casa de minha mãe, o coquetel já havia começado. Faulkner estava calado
em um canto do apartamento e eu
me aproximei, falando de sua
obra. Ficou um pouco surpreso
com o que eu sabia sobre ele. Foi
uma pessoa muito afável."
Scavone quis saber de Faulkner
se o Nobel fora a maior emoção de
sua vida. Segurando o cachimbo, o
escritor respondeu que recebera o
prêmio em dezembro de 1950 e,
por isso, já não sabia. "Reconstituir sentimentos não é algo fácil",
disse.
Em 1984, Scavone publicaria
parte de sua conversa com o escritor no livro "Faulkner & Companhia" (ed. Soma). Em sua casa,
guarda ainda um volume de contos faulknerianos, editado nos
anos 50, e que traz, em uma de
suas páginas iniciais, uma assinatura em letra pequena: "William
Faulkner, Sao Paolo, 1954."
Continua à pág. 5-5
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