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FAULKNER
Em busca do Cruzeiro do Sul
"Faulkner
segurava as
cobras e gritava:
'Sou um
fazendeiro, um
fazendeiro'. Ele
chegou meio
fora de órbita",
conta Lygia
Fagundes Telles
A escritora Lygia Fagundes Telles nos anos 50
O hotel Esplanada, na praça
Ramos de Azevedo, centro de
São Paulo, onde Faulkner se
hospedou, nos anos 50; hoje, no
mesmo prédio funcionam os
escritórios da Votorantin
da Reportagem Local
O comportamento evasivo e desinteressado de Faulkner em São
Paulo começou a preocupar os representantes do governo norte-americano. O escritor teria vindo ao
Brasil, segundo seu biógrafo Joseph Blotner, como "agente" de
um esforço de reconciliação dos
norte-americanos com a intelectualidade brasileira, descontente
com a recusa de um visto de entrada nos EUA para o romancista José
Lins do Rego.
Foi marcada então uma entrevista coletiva para quarta-feira, dia 11.
Membros do consulado pediram a
Osmar Pimentel, que servia de cicerone para Faulkner, que o convencesse a não cancelar mais este
compromisso.
Em conversa no Esplanada, o escritor disse a Pimentel que passava
por um momento de "profunda
depressão", em consequência do
casamento de sua filha, Jill, que
aconteceria dia 21. Achava que não
se acostumaria com sua ausência.
Antes da entrevista -que, afinal, foi realizada (leia abaixo)-, o
escritor quis visitar o Museu de Arte de São Paulo, na rua 7 de abril (e
depois transferido para a av. Paulista). Após ver alguns quadros do
acervo, e se interessar por Portinari, reclamou de dores terríveis nas
costas. Contou que tinha um ferimento da Primeira Guerra que
sempre lhe provocava essa aflição
-embora seu biógrafo negue que
tenha combatido. Pediu para se
deitar no chão. Só levantou-se depois que Flavio Motta, diretor do
museu, lhe ofereceu um generoso
"scotch".
Ao lado de Motta e Pimentel, estava o crítico Mário da Silva Brito,
hoje com 81 anos: "Faulkner se
deitou não apenas no museu, mas
em vários outros lugares. Não, as
dores não eram uma desculpa para
ele continuar bebendo. Na verdade, não precisava de desculpa nenhuma para isso. E, naquele tempo, todos nós bebíamos muito".
Silva Brito foi também testemunha do encontro entre a escritora
Lygia Fagundes Telles e Faulkner,
que se encantou com a beleza dos
olhos dela. "Eu lhe disse: 'Deixe-me apresentar a você uma contista brasileira'±", conta Silva Brito. "Faulkner olhou para Lygia, e
falou: 'Se os seus contos forem tão
bonitos quanto os seus olhos, a senhora certamente é uma grande
escritora'±".
Lygia se recorda do episódio, e
também do dia em que acompanhou Faulkner ao Instituto Butantã, para ver cobras.
"Segurava as cobras e gritava:
'Sou um fazendeiro, um fazendeiro'. Ele chegou meio fora de órbita
a São Paulo. Queria ver cobras e o
Cruzeiro do Sul. Um dia, pegou-me pelo braço e apontou para
o céu, querendo ver as estrelas. Ficou doido com essa história de
Cruzeiro do Sul. E estava sempre
com o cabelo molhado. Creio que
se molhava para ficar desperto, devido ao excesso de álcool. Não era
um homem bonito. Era baixo, mas
tinha um rosto muito forte".
Lygia acompanhou o escritor
uma segunda vez, em uma audiência com o governador do Estado,
Lucas Nogueira Garcez. "Ele sempre obedecia à gente, aquela pequena comitiva que o acompanhava. Ia para cima e para baixo."
Para a audiência com o governador, Faulkner teve que esperar
muito até ser recebido. Antes do
escritor, Nogueira Garcez preferiu
atender um grupo de plantadores
de milho.
Depois de uma tarde de autógrafos no Esplanada, uma palestra para jovens poetas e visitas ao Jockey
Club e a fazendas (onde pesquisou
o preço da terra e as formas de
plantio), William Faulkner voltou
para os Estados Unidos, numa tarde de sábado, dia 14 de agosto. Para confortá-lo no retorno, levou
consigo, como presente dos brasileiros, uma garrafa de pinga.
Dias depois, Lygia Fagundes Telles recebeu um telefonema da gerência do Esplanada Hotel.
Alguém lhe
avisava que "o
escritor" havia
esquecido uma
sacola no bar
do hotel.
Na bolsa xadrez de cores
amarelo e vermelho, Lygia
encontrou vários livros que
autores brasileiros tinham
dado a Faulkner. "Ele não
sabia nada da
língua portuguesa", diz ela.
"Aquela sacola de livros seria um peso
inútil para ele."
Os livros,
Lygia doou para a Biblioteca
Municipal.
Hoje, lamenta não ter guardado a
relíquia: a bolsa xadrez. Que foi parar nas mãos de sua empregada.
"A mocinha precisava de uma sacola para viajar até Americana, no
interior de São Paulo."
Faulkner deixou ainda um pequeno bilhete, escrito no papel
timbrado do Esplanada, que a imprensa chamou de "uma mensagem aos paulistas" (leia nesta
pág.). Em poucas palavras tentava
dar conta de sua permanência no
Brasil. Dizia que encontrou um lugar muito diferente do que esperava. Imaginava o Brasil um país de
"meia idade" e encontrou uma
"cidade dinâmica". Achava que
chegaria como um "forasteiro" e
espantou-se com a hospitalidade.
Aos jornalistas e conhecidos, prometeu voltar em três meses. Não
cumpriu a promessa.
(MR)
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