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Leia a entrevista do escritor em SP em 1954
da Redação
Leia a seguir a reportagem da
"Folha da Manhã", publicada em
12 de agosto de 1954, sobre a entrevista coletiva concedida por Faulkner em São Paulo. A "Folha da
Manhã" foi um dos três jornais
que, a partir de 1º de janeiro de
1960, constituíram a Folha.
CARLOS FREITAS
da "Folha da Manhã"
William Faulkner, que chegou
domingo a São Paulo, conservou-se em silêncio até agora, por
se achar enfermo e um pouco cansado. Só apareceu no Museu de Arte Moderna e em casa do escritor
José Geraldo Vieira, na noite de
terça-feira. E até ontem ninguém
tinha conseguido arrancar dele
mais do que monossílabos sobre
arte e literatura.
Já começavam a correr os mais
variados comentários e opiniões
sobre a personalidade do detentor
do Prêmio Nobel de Literatura de
1950, e sua tremenda sinceridade
fez com que os mais apressados
formassem juízos falsos sobre sua
cultura e predileções literárias.
Faulkner não gosta de falar de literatura, formalmente, na convivência com escritores e jornalistas,
em reuniões literárias.
Não gosta de ser "sabatinado".
De responder a perguntas arranjadinhas que dão a impressão de ter
sido higienizadas. Mas lhe agrada
falar aos escritores e poetas novos,
com sinceridade e simpatia humana. Suas melhores palavras são para os moços, que ele julga mais
próximos da verdade do que os velhos. Porque os novos -diz-
"têm forças para realizar o trabalho que sua época exige deles, e os
velhos, ainda que queiram fazer alguma coisa, nem sempre podem".
Todos querem fazer a sua pergunta:
- Qual é a fórmula que um escritor novo deve seguir para alcançar êxito?
- "Trabalhar muito e não pensar na glória e na sua importância."
- E para quem trabalha muito e
não pensa na glória?
- "Trabalhar muito e não desprezar a verdade. Um escritor novo deve dizer a verdade tão bem
quanto lhe seja possível!"
Faulkner se empolga, quando fala da verdade. Ele o faz como uma
força que impressiona.
Mas há outras perguntas:
- O sr. escreve diariamente ou
costuma produzir quando sente
vontade de fazê-lo?
- "Escrevo quando tenho vontade. Não o faço diariamente, mas
costumo trazer lápis e papel comigo. Muitas vezes, andando a cavalo, trabalhando na fazenda ou caminhando na rua, sinto vontade
de escrever e então começo a trabalhar. Outras vezes escrevo à noite, começo e vou até altas horas da
madrugada. Tenho escrito livros
inteiros em duas ou três semanas:
outros, como o último que se chama "Uma Fábula", saem demoradamente. Esse livro foi escrito
em nove anos de trabalho."
- E está contente com ele?
- "Não, acho que fracassei.
Agora vejo que não pude fazer o
que queria, mas penso que meu
próximo livro será muito bom."
- Já sentiu alguma vez que tinha
fracassado?
- "Muitas vezes. E é isso que
me entusiasma para prosseguir.
Os fracassos me dão força para
continuar tentando, reagindo, trabalhando."
- O que foi que lhe deu maior
satisfação, a fazenda ou a literatura?
- "A literatura, minha obra,
embora goste muito da fazenda."
- E qual lhe dá mais dinheiro?
- "Não posso responder, porque só penso em dinheiro quando
estou precisando dele."
- Tem alguma regra de criação
ou de trabalho?
- "A única coisa que sigo mais
ou menos como regra é nunca escrever até ficar esgotado. Sempre
paro de escrever quando ainda tenho alguma coisa para dizer."
- Se não fosse escritor, que gostaria de ser?
- "Sinto-me muito bem como
escritor. Nunca pensei em ser outra coisa... mas creio que gostaria
de ser um grande poeta."
- Qual é a seu ver o maior escritor moderno dos Estados Unidos?
- "O jovem Shelby Foot, de
Mississippi."
- O sr. gosta de Truman Capote?"
- "Truman Capote me deixa
nervoso, por isso não o leio."
- Com que espécie de tempo
gosta de escrever?
- "Com o calor. Quando meu
sangue começa a ferver, as idéias
também fervem e então começo a
passá-las para o papel."
A conversa agora ganha uma
certa intimidade. O escritor fez algumas confissões, sempre muito
sinceras e sem pose. Responde a
tudo em tom de conversa amistosa. Diz que vivemos numa época
ingrata para escrever. O escritor
está sujeito a muitas pressões, por
culpa da demasiada materialização da vida. Esta é a era da máquina e tudo tende a maquinizar-se.
Fala-se de leituras, e o autor de
"O Santuário" informa que os velhos em geral lêem menos. Já leu
muito no passado, mas agora suas
leituras são poucas. Um livro que é
para ele uma espécie de bíblia é o
"Don Quixote".
- E o que mais impressionou
em São Paulo, como novidade?
O escritor responde que gostou
muito de camarão à baiana, do vinho nacional e que vai provar uma
feijoada amanhã ou depois. Quando chegou a São Paulo foi acometido de velhas dores provocadas por
um ferimento de guerra, em 1914, e
muita canseira da viagem. Só agora poderá sair, visitar a cidade, ir a
uma fazenda de café, tomar uma
batidinha de limão, ver coisas.
E assim acaba a entrevista com
esse homem tremendamente simples e sincero, que construiu uma
das maiores obras da literatura
universal. Ao se despedir do grupo, William Faulkner se levanta e
aperta a mão de cada um. Tem
mãos grossas, de camponês. Até
isso é verdadeiro nele.
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