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+ Tecnologia
A sagração da web
Pai da internet, Vinton Cerf diz que celulares ultrapassarão computadores como meio de acesso e prevê um novo conceito para definir a rede
DA REDAÇÃO
Vinton Gray Cerf
prega a disseminação da internet. Esse é seu cargo na
corporação Google,
líder nesse mercado: evangelista-chefe de internet, além de
vice-presidente. Mas Cerf, 64, é
mais conhecido como pai da internet, por haver criado, com
Robert Kahn, os protocolos
TCP/IP, parte da estrutura básica de funcionamento da rede
mundial -em breve interplanetária, se depender dele- de
computadores.
Na entrevista abaixo, concedida a Michel Alberganti, do
jornal "Le Monde", ele fala sobre a evolução da web e suas
perspectivas, incluindo a integração de objetos do cotidiano.
PERGUNTA - O sr. fez parte do grupo que conceituou a internet. Como
vê a evolução da rede mundial?
VINTON CERF - Hoje em dia, muito mais gente tenta inovar na
internet. Para descrever seu
modo de evolução atual, muitas
vezes recorro ao modelo do formigueiro. Caso você observe
duas ou três formigas ao longo
de todo um dia, é provável que
pouco aconteça de interessante. Mas há milhões delas no formigueiro. E, a cada dia, uma ou
duas formigas descobrem alguma coisa que beneficiará todas.
A internet funciona assim.
Com quase 1,3 bilhão de
usuários -o equivalente a cerca de 20% da população mundial-, novas experiências são
realizadas a cada dia.
Fico sempre um pouco febril
ao ler as páginas de negócios da
imprensa, porque muitas vezes
descubro ali que alguém inventou um novo uso para a internet, ao qual teremos de nos
adaptar, uma vez mais.
PERGUNTA - Como a web 2.0 contribui para novos usos da rede
(blogs, chats, trocas de arquivo)?
CERF - A meu ver, o termo "web
2.0" é basicamente um slogan
de marketing. Dá a entender
que uma nova geração da web
apareceu.
Acredito, em lugar disso, que
a internet se transforma de
acordo com um modelo de coevolução. Interage com tudo que
a cerca e, então, se adapta. As
novas aplicações levam a rede
aos seus limites e forçam a criação de novas soluções técnicas.
Isso posto, devo reconhecer
que certas inovações associadas à web 2.0 são um fato. No
passado, os primeiros sistemas
de troca de informações entre
empresas não funcionavam
bem por falta de padronização
-e foi isso exatamente que a
web 2.0 veio a fornecer.
E o avanço chegou em um
bom momento. Nos EUA, os
grandes investimentos realizados para enfrentar o bug do milênio, antes de 2000, permitiram automatizar a atividade interna das empresas.
Resta efetuar a etapa seguinte: automatizar o intercâmbio
de informações entre empresas. E que melhor ferramenta
para isso do que a internet?
PERGUNTA - Os internautas se beneficiarão desses intercâmbios?
CERF - Os consumidores já interagem com empresas via internet. Isso acontece, o mais
das vezes, na realização de
transações, com confirmação
por e-mail. Mas as empresas
muitas vezes precisam reescrever a mão os pedidos dos internautas para transmiti-los a
seus parceiros.
É essa parte do processo que
é preciso automatizar. E é perfeitamente possível fazê-lo,
graças a aplicativos como o
Google Earth ou o Google
Maps, que foram concebidos de
maneira a permitir que outras
empresas os integrem a seus
serviços de web próprios.
Dessa forma, os cientistas
podem localizar via Google
Earth as posições dos sismógrafos em sua rede internacional de prevenção de terremotos. Para obter acesso aos dados, basta clicar sobre o ícone
que representa cada estação.
Cada vez mais os pesquisadores podem, dessa forma, trabalhar juntos, ao aglutinar diferentes redes de sensores independentes e ao correlacionar
suas informações com a geografia e a climatologia.
PERGUNTA - E quanto ao comércio
eletrônico?
CERF - Tomemos por exemplo
uma empresa que disponha de
uma lista de apartamentos para
alugar em Dallas, no Texas.
Ela pode inserir essas informações no Google Maps. Quando uma pessoa está procurando
casa, o banco de dados da imobiliária mostra todos os apartamentos que atendam aos critérios especificados.
Uma empresa assim estaria
utilizando os recursos da web
para aumentar o valor de suas
informações.
PERGUNTA - Podemos esperar aplicações semelhantes para celulares?
CERF - Com certeza. Trata-se
de um objeto que a pessoa carrega aonde quer que vá. Pode-se, nesse caso, apresentar perguntas que não fariam sentido
caso o sistema de informação
associado desconhecesse sua
localização. Procurar o cinema
mais próximo, por exemplo.
Os aparelhos móveis abrem
as portas à obtenção de informações geograficamente indexadas de grande valor. Já existem 3 bilhões de celulares no
mundo, dos quais 15% são capazes de acesso à internet, ou
seja, quase meio bilhão de aparelhos. No futuro, para fração
significativa da população, o
primeiro contato com a internet acontecerá via celular, e
não pelo computador.
PERGUNTA - Usar o celular torna
menos confortável a utilização da
internet?
CERF - À primeira vista, sim. A
tela não tem tamanho parecido. Quanto ao teclado, seria ótimo se nós tivéssemos dez centímetros de altura. Mas quase
todos nós somos maiores.
É preciso, assim, imaginar
novas práticas. O celular que
possa detectar a presença de
uma tela de computador no local -não haveria motivo para
que a informação não pudesse
ser transmitida para ela e exibida. O mesmo vale para um teclado sem fio.
As pessoas estão tão acostumadas a usar a internet com
um aparelho por vez que nem
imaginam que um celular poderia se tornar o coração de
uma pequena rede.
PERGUNTA - Que impacto isso terá
sobre a vida cotidiana?
CERF - Imagine esse tipo de uso
do celular em um automóvel.
Os carros muitas vezes dispõem de receptores GPS e de
instrumentos que indicam, por
exemplo, quanto resta de gasolina. O importante é que o celular possa conectar o carro à internet. E isso funciona nos dois
sentidos.
O carro obterá informações
da web e as fornecerá à rede.
Sua velocidade, por exemplo,
pode ser transmitida sem identificação de identidade para a
rede, que a usará para avaliar
condições de tráfego naquele
percurso a fim de orientar outros veículos.
PERGUNTA - O que o sr. está descrevendo não se enquadraria já à web
3.0, a internet dos objetos?
CERF - Decerto. A internet dos
objetos permitirá, em geral, delegar a terceiros a gestão de objetos. Será possível dirigir a sites de serviços pedidos como
"gravar tal filme", sem ter de
procurar por ele em diferentes
programas. As máquinas se encarregarão. Elas se comunicarão entre si para determinar
quando o filme será exibido, a
fim de gravá-lo para nós.
Bilhões de objetos disporão,
assim, de capacidade de comunicação mútua. Isso permitirá
mascarar a complexidade da
tecnologia que estará em ação.
Tudo se passará nos bastidores.
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Paulo Migliacci.
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