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PONTO DE FUGA
BB
JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York
Brigitte Bardot? Bertolt
Brecht? Não, Bernard Berenson, que assinava sempre com
essas iniciais. Foi um mítico
"atribuidor", especialista específico dentro da história da arte
que se consagra a identificar
quadros de autoria obscura.
Sua biografia, "Being Bernard
Berenson" (Penguin), escrita
por Meryle Secrest, faz um ótimo balanço do papel que exerceu no conhecimento artístico
de nosso tempo. Berenson teve
um prestígio enorme. Em sua
"villa" toscana, "i Tatti", recebia milionários e soberanos.
Não foi um universitário. Era
antes um intelectual diletante,
de olho muito agudo. Atribuir
não é uma atividade inocente.
Ela repercute além do saber
desinteressado. Interfere diretamente no mercado das artes,
fazendo subir ou cair, pela convenção de um nome, o preço
de um quadro. Pouco importa
se a idéia de autor, na época em
que a pintura foi feita, fosse inteiramente diversa da do nosso
tempo. Definir uma autoria individual é como endossar um
cheque e receber, por isso, uma
substancial porcentagem. Berenson foi o grande conselheiro de americanos ricos e sem
cultura, mas compradores de
arte. Graças a ele, muitas grandes obras estão hoje nos museus dos EUA. Comprometeu-se de modo voluntário ou não
com marchands mais ou menos escrupulosos. Sua trajetória biográfica é uma lição para
a história da arte, beneficiária e
vítima. Como reclamava Francastel: "É muitas vezes impossível pôr um nome numa obra:
nem por isso ela perde sua beleza e importância".
Reencarnação - O atribuidor, em verdade, emite apenas
uma opinião. Sua autoridade,
além dos acertos, vem, em boa
parte, da aptidão em convencer seus interlocutores, por
meio de argumentações eruditas e sutis, nas quais o estilo escrito e o carisma pessoal possuem um peso considerável.
Seu poder é grande, quase mágico: de um certo modo, ele
torna-se parceiro do pintor ou
do escultor morto há muito
tempo. Há, às vezes, enganos
espetaculares, logo esquecidos
dentro da história e da crítica
das artes, por um pacto geral
de silêncio que parece ser regra. O erro mais sensacional
vincula-se a Van Meegeren,
falsário de gênio, que entendeu
perfeitamente as expectativas
dos peritos e pintou quadros
que foram, sem hesitação, reconhecidos como obras-primas de Vermeer, imenso artista holandês do século 17. No
pós-guerra, acusado de colaboração por ter vendido um de
seus Vermeer a Goering, confessa as fraudes para evitar a
prisão. Não fora isso, é possível
que até hoje admirássemos seu
"Cristo em Emaús" por entre
as maiores obras de todos os
tempos. O caso de Van Meegeren ensina saudável desconfiança.
Gargalo - O conhecimento
intuitivo do atribuidor permite
agrupar, por afinidades estilísticas, obras dispersas. Mas o
mercado das artes exige nomes
e, não raro, a atribuição ultrapassa os limites seguros. É possível chegar perto do ponto de
origem de um quadro, que pode ser, por exemplo, de Giorgione ou Ticiano. Como então
distinguir na última instância?
Os critérios não são apenas intelectuais. Assim, é importante
saber que um Giorgione, porque mais raro, vale bem mais
do que um Ticiano.
Arte - Logo depois do julgamento de Van Meegeren, uma
pesquisa de opinião mostrou
que ele era, para os holandeses,
o homem mais popular do
país, perdendo só para o primeiro-ministro. Os falsos e os
falsários fascinam. Em segredo, desmontam a pose e a autoridade dos especialistas. O
engodo foi um dos domínios
preferidos de Orson Welles:
seu último filme, "F for Fake",
de 1973, um ambíguo documentário, diverte-se em empregar impostura e falsificação
nas artes, com ironia e gênio.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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