|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
Obra clássica sobre urbanismo ataca mitos que desprezam
problemas concretos, como trânsito e segurança
Colapso das cidades imaginárias
Mauricio Puls
da Redação
Publicado em 1961, "Morte e Vida
de Grandes Cidades", de Jane Jacobs, mantém até hoje uma atualidade impressionante. O livro dirige um ataque vigoroso a velhos paradigmas do urbanismo, derivados de modelos teóricos baseados em cidades imaginárias, contra os quais ela defende a observação e a análise de cidades reais.
Jacobs observa que as intervenções urbanas fundadas nesses paradigmas, longe de promover a recuperação das áreas
decadentes, produziram na realidade
"conjuntos habitacionais de baixa renda
que se tornaram núcleos de delinquência, vandalismo e desesperança social generalizada, piores do que os cortiços que
pretendiam substituir (...); centros cívicos evitados por todos, exceto desocupados (...); passeios públicos que vão do nada a lugar nenhum e nos quais não há
gente passeando; vias públicas que evisceram as grandes cidades".
Qual a razão desse fracasso generalizado? Jacobs lembra que o planejamento
urbano surgiu do desencanto e da rejeição da vida nas metrópoles. Seu pioneiro, Ebenezer Howard (1850-1928), "observou as condições de vida dos pobres
na Londres do final do século 19 e com
toda a razão não gostou do que cheirou,
viu e ouviu. Ele detestava não só os erros
e os equívocos da cidade, mas a própria
cidade (...). Sua receita para a salvação
das pessoas era acabar com a cidade".
Separação de funções
Para isso,
ele propôs a construção da cidade-jardim, na qual os pobres poderiam voltar a
viver em contato com a natureza. Esse
núcleo ideal teria 30 mil habitantes, no
máximo, e nele cada setor
(industrial, comercial, residencial) teria um lugar
definido. O princípio fundamental de Howard era
isolar as funções sociais
citadinas -axioma que
foi mantido nas utopias
posteriores, como a "Ville
Radieuse", de Le Corbusier (1887-1965), e a "City Beautiful", de
Daniel Burnham (1846-1912).
Essa vertente teórica não explica como
a cidade é, mas diz como que ela deveria
ser, e desse modelo ideal deduz seus
princípios de planejamento urbano
-que não costumam funcionar quando
colocados em prática. A
separação de funções provoca congestionamentos,
reduz a eficiência do comércio e da indústria, esvazia as calçadas e degrada a cidade.
O erro desses planos reside precisamente na tentativa de separar cada
uma das principais atividades (morar,
administrar, produzir e distribuir bens e
serviços), solapando assim o fundamento mesmo da vida urbana, que é a coexistência de funções diversas (porém complementares) num mesmo espaço social.
O ponto de partida de Jacobs, ao contrário, são os problemas concretos. Em
relação à questão da segurança, por
exemplo, ela ressalta que sua manutenção depende mais dos cidadãos do que
da própria polícia: "A primeira coisa que
deve ficar clara é que a ordem pública
(...) não é mantida basicamente pela polícia, sem com isso negar sua necessidade. É mantida fundamentalmente pela
rede intrincada, quase inconsciente, de
controles e padrões de comportamento
espontâneos presentes em meio ao próprio povo e por ele aplicados".
Segundo ela, as zonas em que a ordem
pública depende inteiramente de guardas são regiões selvagens. "É uma coisa
que todos já sabem: uma rua movimentada consegue garantir a segurança; uma
rua deserta, não." As pessoas que transitam pelas ruas fazem um policiamento
inconsciente, mas extremamente eficaz.
Rua mais confiável
O que torna
uma rua segura? Basicamente, sua diversidade econômica e cultural. Uma via
com uma ou duas atividades é movimentada apenas algumas horas ao dia. Já
uma rua com várias funções (lojas, bares,
restaurantes, casas, prédios públicos,
teatros) é usada ininterruptamente, tornando-se mais confiável.
A obra de Jacobs encerra diversas sugestões factíveis para estimular a vitalidade urbana e recuperar cortiços e conjuntos habitacionais degradados. E conclui: "O ser humano é, em si, difícil, e
portanto todos os tipos de coletividades
(exceto as cidades imaginárias) têm problemas. As grandes cidades têm problemas em abundância porque têm pessoas
em abundância. Mas as cidades cheias de
vida não são impotentes para combater
mesmo os problemas mais difíceis".
Morte e Vida
de Grandes Cidades
510 págs., R$ 37,50
de Jane Jacobs. Tradução de
Carlos Mendes Rosa. Ed. Martins Fontes (r. Conselheiro Ramalho, 330/340, CEP 01325-000, SP, tel. 0/xx/11/239-3677).
trecho
"É inútil tentar esquivar-se da questão
da insegurança urbana tentando tornar mais seguros outros elementos da
localidade, como pátios internos ou
áreas de recreação cercadas. Por definição, mais uma vez, as ruas da cidade
devem ocupar-se de boa parte da incumbência de lidar com desconhecidos, já que é por elas que eles transitam. As ruas devem não apenas resguardar a cidade de estranhos que depredam: devem também proteger os
inúmeros desconhecidos pacíficos e
bem-intencionados que as utilizam,
garantindo também a segurança deles. Além do mais, nenhuma pessoa
normal pode passar a vida numa redoma, e aí se incluem as crianças. Todos precisam usar as ruas."
Trecho extraído de "Morte e Vida de Grandes
Cidades", de Jane Jacobs.
Texto Anterior: Lançamentos Próximo Texto: Ponto de fuga: Encantos mil Índice
|