São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2000

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MILLÔR

1) Eleição e rejeição
Desde sempre faço esta proposta. Ninguém presta atenção, acho mesmo que ninguém lê. Mas, simples como é, pode mudar o mundo. Será que já a experimentaram em alguma parte? Senão, por que não? Pois ela vai ao encontro do mais inegável sentimento humano e propõe uma democracia mais avançada. É isto:
Ao votar numa eleição política você terá direito a dois votos. Um a favor, outro contra. Um positivo, outro negativo. Um voto de aprovação, um muito pelo contrário. Como o sentimento do que não queremos é muito mais forte do que o do que queremos, o voto negativo será sem hesitação: "Esse Collor eu não quero de jeito nenhum". "Toda a minha família vai votar contra o Maluf."
Na hora da apuração, os votos negativos serão deduzidos dos positivos. Um candidato com 10.000 votos positivos, e 9.000 votos negativos será derrotado por um candidato que tenha 5.000 votos positivos e 2.000 negativos. Sencillo, no, mamita?

2) Das entrevistas
P.: Você se acha um bom jornalista? R.: Apenas uma pessoa que trabalha pra ganhar a vida, escrevendo diariamente sobre o em volta. Jornalista como todos, portanto. Na profissão sou melhor do que a maioria, o que não é difícil, e inferior a muitos, muitos mesmo. Não há dentro de mim nenhum sentimento de superioridade quanto aos primeiros nem de competição quanto aos outros. Minha vida não passa pela "superioridade" nem pela competição.
Quase ilustrando isso me orgulho de ser um dos inventores do frescobol - o único esporte com espírito esportivo. Até hoje ninguém inventou ganhadores, nesse jogo. De resto, em torno a mim, amados amigos, também ninguém ganha ou perde. Vive. E, em chegado seu devido tempo, nunca antes!, morre.

3) Crenças e descrenças
No tempo em que as mais belas vitrines ficavam nas ruas eu adorava vitrines. Minha ideologia era: "Socialismo com vitrines". Mesmo sendo visceralmente anticonsumista. Cinco minutos num superchópingue me deixam tonto. Quanto à vida noturna (airada) sempre gostei de bar e sempre detestei boate - minha visão peculiar do inferno. Meu maior temor é morrer e ser condenado ao Hipopótamo eterno.

4) A história é uma istória
Não durmo sem ler algumas páginas de Gibbon, "Declínio e Queda do Império Romano" (as páginas escorrem sangue). Agora em nova edição minuciosamente revista. No prefácio, não por acaso, Daniel J, Boorstin, o "scholar" que analisa a obra mostra tantos erros, falta de informações e visões falhas do autor que parece até que não gosta do livro. Mas anglo-saxões são assim. Ele quer dizer que, apesar de todas suas limitações, devidas principalmente à época em que escreveu, Gibbon realizou uma obra-prima. Quem não leu não sabe o que perde.

5) Continuação
Mas desviei. Ia falar era de "Esboço de História", ("Outline of History") de H.G.Wells (o que escreveu "A Guerra dos Mundos" e deu ao Welles, Orson (*), a entrada para a fama). O livro de Wells, três volumes - é uma das últimas tentativas heróicas, esforço pessoal - de contar a história do mundo. Gosto do tom, digamos cínico, portanto verdadeiro, com que Wells se refere a esse mundo.
Sobretudo agora em que os jornais enchem suas primeiras páginas com fotos dos davis palestinos enfrentado os golias locais A garotada palestina de atiradeira em punho lutando contra as as forças militares de Israel é uma visão inapelavelmente bíblica e ancestral. Wells julgava esse problema eterno. "Teimar em viver naquela região"- referia-se aos judeus "é como um bêbado teimar em dormir numa encruzilhada. Será, fatalmente, atropelado todas as noites."
(*) Pai de Peter O`Toole (**) Wells é autor, em 1904, da frase "Redwood percebeu que uma cortina de ferro caíra entre ele e o mundo exterior" que Churchill tornou famosa; "De Stetttin ao Adriático uma cortina de ferro desceu sobre o continente."

6) E como sempre gostei de história, sofro o engano de que o gosto continue na minha descendência. Noutro dia provei isso, mas de maneira inesperada, ao falar de história a meu neto, de nove anos. Espantado, ele perguntou: "Ué, quando o senhor era criança já tinha acontecido muita coisa?"

7) E muita atenção:
Os juízes serão os pais, os filhos e o Espírito Santo de orelha. As damas de companhia serão as mesmas de sempre, voltando das vinhas.

Site do Millôr: www.uol.com.br/millor



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