São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2005

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+ sociedade

Crise dos três maiores diários da França, onde nasceu o jornalismo moderno, aponta para a falência mundial da combinação de publicidade e altas vendagens, sobre a qual tem se apoiado a mídia escrita desde o século 19

Agonia de um ciclo histórico

LAURENT GREILSAMER
DO "LE MONDE"

Em poucos meses, três grandes títulos da imprensa cotidiana francesa sofreram importantes mudanças. O "Le Figaro" foi comprado pelo industrial Serge Dassault. O "Le Monde" se prepara para uma recapitalização no valor de 50 milhões de euros e trocou o diretor de redação. O "Libération", em busca de um acionista abalizado, estuda a proposta do homem de negócios Edouard de Rothschild, que quer investir 20 milhões de euros no desenvolvimento do título.
Poderia ser uma simples crise de crescimento. É muito mais grave. O modelo econômico inventado há mais de um século e meio pelo parlamentar e homem de imprensa Emile de Girardin (1806-81) hoje está abalado. Intempestivo e genioso, Emile de Girardin, depois de várias tentativas, lançou com sucesso, em 1º de julho de 1836, o diário "La Presse", reduzindo seu preço de venda à metade do de seus concorrentes.
Antes de todo mundo, no campo da imprensa, ele compreendeu a necessidade de baixar o preço de seu jornal para multiplicar o número de leitores e, conseqüentemente, atrair mais publicidade para financiar em parte os custos de publicação.
O sucesso foi imediato. Trinta anos depois, a descoberta do telégrafo (garantindo a circulação de informação à velocidade da eletricidade) e o aperfeiçoamento das rotativas (permitindo a impressão contínua, e não mais folha por folha) terminam de revolucionar a paisagem.
Havia nascido a imprensa moderna, com seu gosto pela reportagem e as novidades, pelo sensacional e as manchetes. Ela vive desde então sobre um duplo teorema, aparentemente muito simples: vender mais barato para vender mais; financiar a empresa ao mesmo tempo pela venda do jornal e pela publicidade. Mas esse modelo hoje está comprometido, no plano do conteúdo quanto no plano econômico. E tudo leva a crer em um fim de ciclo histórico.
Há tendências claras no caso francês. A receita publicitária dos jornais nacionais diminui ano a ano. O fluxo do maná publicitário para as mídias audiovisuais e as revistas se combina com o declínio dos anúncios classificados para penalizar a imprensa nacional.
De uma posição de monopólio, a imprensa cotidiana passou para uma situação de sitiada. Os anos 1930-50 foram marcados pelo constante desenvolvimento das redes de rádio, os anos 60 pela implantação da televisão e das revistas de notícias, os 90 pelos sites e os anos 2000 pelos jornais gratuitos.
Nascidos em um terreno político e literário altamente passional, os diários ainda são vistos como engajados demais. Muitos leitores não se encontram mais nos jornais, considerados ora parciais, ora insípidos. E os mais jovens freqüentemente julgam sua leitura demasiado difícil e distante de suas preocupações.
Girardin, sempre ele, havia decretado que era preciso pôr em prática uma nova idéia por dia. Sim, mais que nunca. Até o Japão, modelo extraordinário e exótico, dotado dos cinco jornais de maior circulação do mundo, começa a conhecer uma leve erosão de seu leitorado.
Já a Europa se aventura em três caminhos. Os jornais britânicos preferem hoje o formato tablóide, que teve tanto êxito na imprensa popular. Perdem sua soberba e uma marca de identidade centenária, mas ganham leitores. Os alemães experimentam a passagem da edição em formato grande para uma versão reduzida, mais leve e barata. Italianos e espanhóis optam pela venda casada de jornais com coleções de livros, enciclopédias ou DVDs. Embora não atraia muitos novos leitores, o método tem o mérito de inchar o faturamento e os benefícios dos jornais.
Mas as reações desses países envolvem mais a forma que o conteúdo: a dimensão marketing supera a dimensão intelectual. Elas se baseiam em um esforço empresarial, que reduziu fortemente os custos de produção e de distribuição. Em suma, ainda não propõem uma réplica definitiva à nova concorrência das mídias eletrônicas.


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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