São Paulo, domingo, 16 de março de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

POESIA
O poeta em guerra



Leia trecho do roteiro do filme que Nelson Pereira dos Santos fará sobre Castro Alves
RUDÁ DE ANDRADE
especial para a Folha


O projeto "Guerra e Liberdade - Castro Alves em São Paulo" encaixa-se como luva na fértil trajetória intelectual de Nelson Pereira dos Santos. Diria que o cineasta nasceu induzido a realizar uma obra em torno do poeta.
O pensamento e a sensibilidade do impulsivo Castro Alves, revelados em sua poesia ou seus atos; seu brio sentimental salientando a causa libertária; sua vida rápida, vibrante, inconclusa, marcada pelo momento histórico de país em formação são substâncias adequadas para Nelson alimentar seu universo criativo, este sempre assinalado pelas aspirações culturais.
A época escolhida pelo diretor para compor a sua história é a da passagem de Castro Alves por São Paulo (1868), quando enfrenta a turbulência política daquele tempo, que só posteriormente terá desfecho com o fim da Guerra do Paraguai, a Abolição dos escravos (1888) e o advento da República (1889). O comportamento social e as questões políticas do período oferecem a Nelson ingredientes significativos para se tornarem primorosos no desenvolvimento do roteiro.
O panorama dessa época é exposto por meio de ousado contraponto, que coloca o idealismo, representado pelo amor, pela solidariedade e pela poesia, em oposição ao realismo, reproduzido pela crueza da guerra e pela brutalidade das segregações. O resultado desse movimento contrastante é um clima tenso, propício ao toque expressionista ditado por Nelson à figura de Castro Alves, salientando-lhe as emoções e os conflitos interiores, a ponto de confundi-lo com sua própria poesia. Esta, aliás, é fundamental, pois tem no roteiro um papel de pontuação expressiva que entrelaça toda a linha narrativa.
Além de revelar período fundamental da biografia do poeta, Nelson desenha a época, destacando os costumes, as disputas entre liberais e conservadores e a postura dos intelectuais. Entretanto, a cortina histórica não impede a revelação de conflitos típicos que permeiam até hoje a nossa história, compondo uma representação da realidade deste país, hoje, como ontem, sufocado por indagações e pela perplexidade.
Com tal roteiro, Nelson Pereira dos Santos demonstra as condições privilegiadas que dispõe para desenvolver este significativo empreendimento, a fim de dar prosseguimento ao caminho do "sonho possível", como insinua sua biógrafa, Helena Salem.
O projeto deste filme teve sua primeira fase no final dos anos 70. Uma conversa casual com Nelson, no Festival de Brasília, levou-nos a Castro Alves. A vontade da fazer filmes e a exposição "Arcadas", que realizara no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, comemorando o sesquicentenário dos cursos jurídicos no Brasil, nos conduziram ao projeto.
Reunindo a equipe dessa exposição e com o apoio da antiga Embrafilme -na época estimulando "filmes históricos" para desviar o enfoque da brutal realidade política-, foi desenvolvido um extenso trabalho de pesquisa histórica, literária, musical e visual, que culminou num primeiro roteiro. No entanto, as experiências tecnológicas e de cenografia realizadas demonstraram que os recursos financeiros necessários eram incompatíveis com as possibilidades do momento. Recentemente, 20 anos depois, Nelson retomou o projeto -sem nunca tê-lo esquecido-, providenciando a sua necessária reformulação e o aprimoramento do roteiro.
Com a evolução tecnológica do cinema, hoje o filme tornou-se financeiramente viável e encontra-se em fase preparatória, esperando que os bons ventos permitam sua conclusão ainda neste ano comemorativo dos 150 anos do nascimento do poeta.


Rudá de Andrade é estudioso e pesquisador de cinema. Foi coordenador da equipe de colaboradores de Nelson Pereira dos Santos para a realização do projeto e do roteiro de ``Guerra e Liberdade'', que contou ainda com Dalton de Luca (música), Guilherme Lisboa (produção), Ildásio Tavares (diálogos), Ilka Brunhilde Laurito (literatura), José Roberto Graciano (cenografia), Ricardo Maranhão (história) e Valandro Keating (arte).

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã