São Paulo, domingo, 16 de março de 1997.

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Da Redação

Leia a seguir o início do roteiro ``Guerra e Liberdade - Castro Alves em São Paulo'', filme a ser realizado por Nelson Pereira dos Santos, e a cena 11, que conta a chegada do poeta à capital paulista.

1. Exterior. Quartel em São Salvador da Bahia. Dia. Na frente do quartel, dezenas de jovens, rodeados de familiares e amigos, ouvem a chamada feita por um sargento. Sargento: Guido Sampaio de Araujo! Aprovado! Sob aplausos e vivas dos assistentes, o jovem despede-se dos pais e irmãos. Sargento (off): Tuna Espinheira! Guido desvencilha-se finalmente dos braços da mãe e corre para entrar em forma. Sargento (off): Dionísio Cerqueira! Aprovado. Vivas e aplausos. Dionísio abraça os colegas, despede-se do pai e vai entrar em forma, deixando para trás seus colegas Castro Alves (18 anos) e Ruy Barbosa (17 anos). Sargento (off): Antônio Frederico de Castro Alves! O Sargento faz uma pausa, levanta o olhar à procura do jovem recém-chamado. Sargento: Onde está o poeta? Castro Alves levanta o braço. Sargento (off): Reprovado! Ruy Barbosa consola com um gesto o amigo decepcionado. Sargento (off): Ruy Barbosa! Reprovado! A banda de música ataca o dobrado. Surge o letreiro: ``Bahia 1865''. Os jovens aprovados perfilam-se sob as ordens do sargento. Vozes. Vivas ao imperador e ao Brasil; brados guerreiros contra Solano Lopez e o Paraguai. Sargento: Ordinário, marche! O pelotão obedece e começa a deslocar-se. Mas a poderosa voz de Castro Alves interrompe a música. Poeta (improvisando): Assim sois vós!... nem se pense Que o livro enfraquece a mão Troca-se a pena com o sabre, é o mesmo... se a pena é espada Por mão de Homero vibrada, com o Gládio -epopéia ousada traça mundos -Napoleão... Parti, pois! Homens do livro! Podeis ousados partir! Pois sereis... vindos com glória ou morrendo na vitória... Homens do livro da história Dessa Bíblia do porvir! Desce a tribuna improvisada, apoiando-se em Ruy. Ao mesmo tempo em que estrondam palmas, vivas e a música marcial, o Poeta tem um acesso de tosse. Leva o lenço à boca. Poeta (para Ruy): Foi apenas a emoção... Examina o lenço manchado de sangue. Os voluntários iniciam a marcha. 2. Interior. Letreiros. Sobre imagens da Guerra do Paraguai surgem os letreiros de apresentação do filme.
11. Interior. Estação da Luz. Dia. A chegada do trem na estação é o acontecimento social do dia provinciano. Famílias inteiras, polícia, comissões, muitas crianças e um grupo de jovens, vestidos de negro, empunhando buquês de flores. O trem estaciona lentamente. A atriz -Eugênia Câmara- está no último carro, na plataforma, palco que divide com o Poeta. Entrevê-se a menina e a ama através dos vidros da porta do vagão. Os acadêmicos disputam entre si o privilégio de entregar o primeiro buquê a Eugênia Câmara, neste momento acompanhada do poeta Castro Alves, autor de poemas abolicionistas, amigo de Fagundes Varela, tuberculoso varonil, terceiranista do Recife... Um acadêmico se destaca do grupo para discursar. Acadêmico (sotaque baiano): Excelsa diva, bardo do Norte, que vindes das plagas onde brilha o astro-rei. Sede bem-vindos nesta terra onde a garoa impele as almas às elevação... Ruy fiscaliza o desembarque de seus baús e caixotes. Acadêmico (off): ... e impulsiona as rodas febris do progresso! Sede bem-vindos nesta terra... Eugênia e o Poeta aceitam as homenagens. Um pouco distanciados do orador e seu grupo, encontram-se Ruy e Joaquim Nabuco. Nabuco: E o poeta? Como está vivendo? Ruy: Continua casado. Nabuco: Sim, estou vendo... De que está vivendo? Ruy: Disse que vai viver de teatro. Riem. Nabuco, mesmo em tom de farsa, faz sair do coração a voz que saúda o Poeta. Nabuco: Viva Castro Alves! Coro de estudantes: Vivaaaaaaa! Voam os buquês pelos ares, a estudantada uiva. O Poeta passa à frente de Eugênia, levanta o braço para calar a turba. Poeta: Basta! Todos se calam. Poeta: Basta!... Eu sei que a mocidade É o Moisés do Sinai: Das mãos do eterno recebe as tábuas da lei! -Marchai! Os acadêmicos respondem. Acadêmicos (em coro): Quem cai na luta com glória, tomba nos braços da história, no coração do Brasil! Poeta e acadêmicos: Moços, do topo dos Andes, Pirâmides vastas, grandes, vos contemplam séculos mil! Palmas, hurras. Os acadêmicos avançam para os recém-chegados. O grupo da Bahia levanta Castro Alves nos ombros. Os demais cercam Eugênia Câmara.


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