São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Obra é um "manual de técnicas literárias", diz escritor argentino

EDITORA DA ILUSTRADA

O escritor argentino Ricardo Piglia, 69, autor de "Respiração Artificial" (1980) e "O Último Leitor" (2005, ambos publicados no Brasil pela Cia. das Letras), é um estudioso do aspecto literário do "Facundo", de Sarmiento. Utiliza a obra em seus cursos de literatura latino-americana na Universidade de Princeton (EUA). Ele assina o prefácio da edição da Cosac Naify, onde explica por que "o melhor escritor argentino do século 19 chegou à Presidência da República".
Leia abaixo a entrevista que concedeu à Folha, por telefone, de Buenos Aires, sobre o autor e sua obra. (SC)

 

FOLHA - Por que decidiu escrever sobre Sarmiento como escritor?
RICARDO PIGLIA -
Sarmiento é um dos temas das minhas aulas há muito tempo. Com o passar dos anos, fui percebendo que seu valor literário cresceu, uma vez que sua figura se distanciou na história.

FOLHA - Como assim?
PIGLIA -
É bem sabido que o livro ["Facundo"] é uma mistura de ensaio sociológico com ficção. Foi escrito num determinado contexto histórico com o sentido de atacar um determinado governo, uma situação de opressão. Nesse sentido, é um panfleto político. Mas, se deixarmos esse contexto num segundo plano, vamos descobrir que a obra é um verdadeiro manual de técnicas literárias. Estão ali a fábula, a lenda, o romance, a prosa de aventura, a homenagem aos clássicos, uma infinidade de referências e de exemplos de experiências de uso da linguagem.

FOLHA - A passagem em que Sarmiento descreve a morte de Facundo traz muitos detalhes que só poderiam ter sido inventados, e também há uma tentativa de apresentar o fato em tom de tragédia clássica. Há aí uma homenagem?
PIGLIA -
Sem dúvida. Sarmiento recorre à ficção sempre que tem de descrever minúcias. E gosta muito de fazê-lo. Essa cena é exemplar do que acabo de dizer sobre o livro ser um manual de recursos literários.

FOLHA - O sr. diz que o eixo para entender o livro está no "e", do "civilização e barbárie". Quem lê apressadamente pode achar que Sarmiento está propondo uma oposição entre os dois termos.
PIGLIA -
Sim, é nesse "e" que está tudo. O livro transita nesse espaço entre os dois termos e aí ganha complexidade. Sarmiento idealiza a civilização, mas ao longo do livro vai mostrando seu fascínio pela barbárie. Há várias passagens em que isso fica claro, como no momento em que descreve o embate entre Facundo e um tigre que come gente, ou na própria descrição do temperamento e das ações do caudilho. De certa forma, é como se buscasse o tempo todo uma forma de não romper com a conexão entre civilização e barbárie.

FOLHA - Outro ponto que o sr. destaca em seu ensaio é o do exílio. A fundação da literatura argentina deu-se fora do país?
PIGLIA -
Sim, e Sarmiento não foi o único autor a produzir fora. Há vários exemplos. É preciso lembrar que a primeira Constituição argentina foi rascunhada por Alberdi no Chile. Não só a literatura como outros textos fundamentais surgiram nos países vizinhos.


Texto Anterior: O livro dos Caudilhos
Próximo Texto: Os Dez+
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.