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Obra é um
"manual de técnicas literárias",
diz escritor argentino
EDITORA DA ILUSTRADA
O escritor argentino
Ricardo Piglia, 69,
autor de "Respiração Artificial"
(1980) e "O Último
Leitor" (2005, ambos publicados no Brasil pela Cia. das Letras), é um estudioso do aspecto literário do "Facundo", de
Sarmiento. Utiliza a obra em
seus cursos de literatura latino-americana na Universidade
de Princeton (EUA). Ele assina
o prefácio da edição da Cosac
Naify, onde explica por que "o
melhor escritor argentino do
século 19 chegou à Presidência
da República".
Leia abaixo a entrevista que
concedeu à Folha, por telefone, de Buenos Aires, sobre o
autor e sua obra.
(SC)
FOLHA - Por que decidiu escrever
sobre Sarmiento como escritor?
RICARDO PIGLIA - Sarmiento é
um dos temas das minhas aulas
há muito tempo. Com o passar
dos anos, fui percebendo que
seu valor literário cresceu, uma
vez que sua figura se distanciou
na história.
FOLHA - Como assim?
PIGLIA - É bem sabido que o livro ["Facundo"] é uma mistura
de ensaio sociológico com ficção. Foi escrito num determinado contexto histórico com o
sentido de atacar um determinado governo, uma situação de
opressão. Nesse sentido, é um
panfleto político.
Mas, se deixarmos esse contexto num segundo plano, vamos descobrir que a obra é um
verdadeiro manual de técnicas
literárias. Estão ali a fábula, a
lenda, o romance, a prosa de
aventura, a homenagem aos
clássicos, uma infinidade de referências e de exemplos de experiências de uso da linguagem.
FOLHA - A passagem em que Sarmiento descreve a morte de Facundo traz muitos detalhes que só poderiam ter sido inventados, e também há uma tentativa de apresentar o fato em tom de tragédia clássica. Há aí uma homenagem?
PIGLIA - Sem dúvida. Sarmiento recorre à ficção sempre que
tem de descrever minúcias. E
gosta muito de fazê-lo. Essa cena é exemplar do que acabo de
dizer sobre o livro ser um manual de recursos literários.
FOLHA - O sr. diz que o eixo para
entender o livro está no "e", do "civilização e barbárie". Quem lê
apressadamente pode achar que
Sarmiento está propondo uma oposição entre os dois termos.
PIGLIA - Sim, é nesse "e" que está tudo. O livro transita nesse
espaço entre os dois termos e aí
ganha complexidade.
Sarmiento idealiza a civilização, mas ao longo do livro vai
mostrando seu fascínio pela
barbárie. Há várias passagens
em que isso fica claro, como no
momento em que descreve o
embate entre Facundo e um tigre que come gente, ou na própria descrição do temperamento e das ações do caudilho. De
certa forma, é como se buscasse
o tempo todo uma forma de não
romper com a conexão entre civilização e barbárie.
FOLHA - Outro ponto que o sr. destaca em seu ensaio é o do exílio. A
fundação da literatura argentina
deu-se fora do país?
PIGLIA - Sim, e Sarmiento não
foi o único autor a produzir fora. Há vários exemplos. É preciso lembrar que a primeira
Constituição argentina foi rascunhada por Alberdi no Chile.
Não só a literatura como outros textos fundamentais surgiram nos países vizinhos.
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