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+(L)ivros
De olho nos negócios
Em "O Ouro
de Moscou", escritor argentino defende que foi o interesse comercial,
mais do que a militância comunista,
que aproximou Buenos Aires
da União Soviética
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A diplomacia e as relações comerciais
entre países costumam passar ao largo das ideologias e
ser pautadas pelo pragmatismo. Exemplo dessa realidade
foi a estreita conexão entre a
União Soviética e a Argentina,
tema de "O Ouro de Moscou",
de Isidoro Gilbert.
O fato de ter havido aproximação entre um regime comunista e um país governado pelo
peronismo e pela ditadura militar não é novidade. O que não
se conheciam eram os mecanismos que viabilizavam o intercâmbio e os interesses por
trás da operação.
A ideia que se tinha era que o
Partido Comunista Argentino
fazia essa ponte. De um lado, o
PCA era o partido latino-americano mais submisso a Moscou, um disciplinador bolchevique dos comunistas do continente. De outro, o partido era
tolerado pelos militares.
Embora a explicação tenha
lógica, está distante da realidade. Gilbert demonstra, com base em cartas, depoimentos e
farta documentação, que os comunistas argentinos tiveram
participação secundária nas relações com os soviéticos.
Desde o início dos contatos,
em 1946, a cúpula comunista
da Argentina ignorava o que
acontecia entre Buenos Aires e
Moscou. Naquela época, logo
após a Segunda Guerra Mundial, os comunistas hostilizavam Juan Domingo Perón
[1895-1974], o caudilho que,
com sua política de neutralidade, não apoiara os Aliados, entre os quais a União Soviética.
Mas, enquanto Victorio Codovilla, um dos principais dirigentes do PCA, se referia a um
"naziperonismo", o governo argentino dava os primeiros passos para estabelecer relações
diplomáticas e comerciais com
os soviéticos.
Codovilla era o "olho de
Moscou" na América Latina.
Stalinista a ponto de ter se envolvido no assassinato de
Trótski -adversário do chefe
comunista-, Codovilla chegou
a tentar convencer o dirigente
brasileiro Luís Carlos Prestes
[1898-1990] de sua posição
contra os caudilhos da região.
Em "Confesso que Vivi" [ed.
Bertrand Brasil], o poeta chileno Pablo Neruda diz ter sido o
intermediário de Codovilla
nessa fracassada missão (Prestes acabaria apoiando Getúlio
Vargas, o equivalente de Perón
no Brasil).
O que Codovilla e seus companheiros nunca perceberam é
que interesses comerciais falam mais alto do que lealdades
ideológicas. No caso, a União
Soviética estava mais preocupada em assegurar a necessária
importação de grãos do que em
vigiar a conduta dos comunistas argentinos.
Maior intercâmbio
Tateantes no começo, as relações entre os dois países se
intensificaram a partir da volta
de Perón ao governo, em 1973.
Gilbert revela que o canal entre
os dois governos era José Ber
Gelbard, ministro argentino da
Economia. Gelbard era também membro secreto do PCA, o
que fazia dele uma peça confiável para ambos os lados.
Apesar da militância de Gelbard, as decisões sobre as relações do governo argentino com
Moscou não passavam pelo comunismo local. "O Estado soviético atuou mais guiado pelos
informes de seus organismos
de inteligência do que pelas
apreciações do Departamento
Internacional do Partido Comunista da União Soviética,
instância que, em mais de uma
ocasião, era quase uma correia
de transmissão das análises do
PCA", escreve Gilbert.
A conexão soviética rendeu
os maiores frutos a partir do
início dos anos 1980, quando a
Argentina não aderiu ao embargo americano contra a
União Soviética depois da invasão do Afeganistão. Os soviéticos compraram milho argentino por um preço 30% acima da
cotação mundial -esse foi verdadeiramente o "ouro de Moscou", diz Gilbert, para quem os
dois países só não foram sócios
porque os produtos soviéticos
não tinham qualidade de exportação.
Jornalista veterano de agências de notícias e publicações
comunistas, Isidoro Gilbert teve acesso às fontes fundamentais para contar sua história. A
densidade da informação não
compromete a prosa fluente,
enriquecida por casos curiosos,
como o da Coca-Cola.
É irônico que a engarrafadora argentina da bebida, cuja
abstinência significava compromisso ideológico das esquerdas, tenha ajudado involuntariamente a financiar o
PCA ao contratar executivos ligados ao partido.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A
História do Brasil no Século 20" e "A Aventura
do Dinheiro" (ambos pela Publifolha).
O OURO DE MOSCOU
Autor: Isidoro Gilbert
Tradução: Léo Schlafman
Editora: Record (tel. 0/xx/21/2585-2000)
Quanto: R$ 62,90 (616 págs.)
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