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CD-ROM reúne obra do autor
HAROLDO CERAVOLO SEREZA
de Paris
Duzentos anos após o nascimento de Honoré de Balzac, a França
descobre que um de seus maiores
mitos literários pode encarnar
também o papel de pai de um sofisticado mecanismo da era da
computação. Professora da Universidade Paris 8, Isabelle Tournier, 40, afirma que, desconsiderado o anacronismo, é tentador
ver Balzac como o inventor do hipertexto, um dos mais importantes instrumentos de navegação da
Internet e de obras eletrônicas.
Tournier, autora de uma tese sobre o autor, a ser publicada neste
ano sob o título "Balzac ou le Hasard Romancier", prepara um
CD-ROM com os 98 textos de "A
Comédia Humana", coletânea
organizada pelo próprio Balzac,
em vida, a partir de 1842, de grande parte de sua obra.
Tournier, com Nicole Mozet e
Claude Duchet, integra a equipe
de pesquisadores que há quase
quatro anos prepara o CD-ROM.
À Folha, ela disse que a versão digital permitirá que se realize de
forma mais completa o projeto
idealizado por Balzac.
O autor pretendia organizar sua
já vasta obra e, ao mesmo tempo,
estabelecer uma versão unificada.
Outro de seus objetivos era favorecer a leitura de seus textos em
conjunto, formando um grande
painel da sociedade francesa.
Tournier compara os textos de "A
Comédia Humana" às janelas de
um computador, que se sobrepõem umas às outras, mas que
continuam ligeiramente visíveis e
relacionadas, indo e vindo ao primeiro plano, de acordo com a
vontade do operador. A coletânea
formaria, assim, uma complexa
rede de informações, integrando
não apenas os romances, mas
também os textos curtos que integram a obra.
O mecanismo mais evidente dessa rede de informações é o uso de
parênteses e de texto em itálico em
remissões explícitas, do tipo:
("veja "A Duquesa de Langeais"'). Outra forma seria o retorno de personagens em diferentes obras. Um dos seus exemplos
preferidos é o "Pai Goriot", que
tem 23 nomes que também aparecem em outros textos.
Essas são as formas mais claras,
mas não são as únicas. A rede literária balzaquiana seria também
tecida por lugares, personagens e
trechos de livros que encontram
relações e descrições em outros
textos. As dificuldades criadas por
esse ambicioso projeto de "literatura total" seriam superadas nas
versões eletrônicas, em que é possível passar de um texto ao outro e
retornar muito rapidamente, além
de permitir a organização de informações referenciais.
O CD-ROM que Tournier prepara deve chegar ao mercado francês
em meados de junho, dentro das
comemorações do bicentenário de
nascimento do escritor. A edição
do texto é baseada na versão Furne, a primeira de "A Comédia
Humana", publicada em 17 volumes, de 1842 a 1848. Essa edição
foi anotada por Balzac, e os livros
corrigidos orientaram a publicação das versões do século 20 de
"A Comédia Humana".
"Como Balzac anotava as edições, cada livro se tornava um novo manuscrito", explica Tournier. A escolha da edição Furne teve o objetivo de oferecer ao leitor
de 1999 o mesmo texto que o contemporâneo de Balzac leu -um
outro projeto de que Tournier
participa prevê o lançamento de
um novo CD-ROM, no fim do ano
2000, com todas as diferentes versões dos livros que formam "A
Comédia Humana".
Se o texto é o mesmo que os contemporâneos de Balzac tinham, o
mesmo não se pode dizer da leitura. "A versão eletrônica permite
personalizar a leitura. Cada um
poderá ler Balzac a partir de suas
escolhas pessoais, arbitrárias, mas
que dão um grande grau de liberdade ao leitor", afirma.
As ferramentas de pesquisa permitirão, por exemplo, que o leitor
escolha os trechos em que aparecem determinada palavra. Essa seleção "cientificiza a leitura",
acredita Tournier, mesmo a de leigos e iniciantes em Balzac. "E permite que cada um fabrique o seu
próprio hipertexto."
Ainda na opinião da pesquisadora, a versão eletrônica dará uma
nova oportunidade aos pequenos
textos de Balzac. Cita "A Mulher
Abandonada" e "Elixir da Longa
Vida", entre outros. "É fácil encontrar versões de bolso dos livros
mais conhecidos, mas esses textos
acabaram sendo postos de lado."
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