São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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+ literatura

Um dos principais nomes de sua geração, o peruano Rodolfo Hinostroza, que fala no sábado em São Paulo, lamenta a falta de experimentação na literatura atual

O cansaço da poesia

Maurício Santana Dias
da Redação

Rodolfo Hinostroza, 61, é desde os anos 60 um dos principais nomes da poesia peruana. Ao lado de Antonio Cisneros, Mirko Lauer, Marco Martos e outros, Hinostroza ganhou notoriedade com a famosa e polêmica antologia "Los Nuevos", publicada em 1967. No início dos anos 70, veio a consagração com o livro "Contra Natura", ganhador do prêmio Maldoror (França) de poesia. De lá para cá, Hinostroza tem se dedicado mais à prosa do que à poesia -e mais à astrologia e gastronomia do que à literatura.
A partir de terça-feira, o escritor estará pela primeira vez no Brasil, participando da Mostra Sul da Poesia Latino-Americana -que trará também o argentino Arturo Carrera, o venezuelano Luiz Alberto Crespo e a uruguaia Circe Maia, entre outros. Ferreira Gullar e Ruy Espinheira também estarão no evento, que acontece no Rio (18/6), Brasília (19/6) e São Paulo (22/6). Quando sua geração surgiu, em meados dos anos 1960, havia grande polêmica entre "poesia social" e "poesia pura". Hoje esse debate está superado. Como vê o panorama atual da poesia?
Minha geração foi de fato a que propôs um novo modo de ver a realidade para que não fosse mais necessária aquela dicotomia. Fazíamos uma poesia muito técnica, de rigor formal, e ao mesmo tempo mantínhamos um conteúdo social, uma proximidade com a história. Acho que hoje não há mais nenhum eixo de discussão evidente, como havia nos anos 60. Hoje vejo uma grande dispersão de formas e tendências, num nível de fatura em geral muito alto. No Peru predomina uma poesia urbana, muito desencantada, às vezes marginal e meio violenta -inclusive por todos os processos políticos que houve aqui, a guerrilha, o Sendero Luminoso.
E como linguagem?
Usam sobretudo formas coloquiais, mas não exatamente como fazíamos nos anos 70. Hoje há um nível técnico muito alto na poesia peruana. Antes de começar a escrever, os meninos lêem de tudo. Os jovens de 20 anos estão lendo Rilke, são mais cosmopolitas do que nós, que líamos sobretudo franceses e hispânicos; eles lêem estes, mas também alemães, ingleses, norte-americanos, orientais.
Qual a sua avaliação das neovanguardas dos 60?
Não sei o que estão fazendo no Brasil atualmente, mas no Peru houve um certo recuo na experimentação formal. Nós, formalistas e experimentalistas, abrimos alguns caminhos e acabamos nos tornando clássicos. Hoje já não se exploram os mesmos caminhos. Os novos poetas têm um grande nível formal, mas vejo pouca experimentação. Eles já não se preocupam muito com a página branca de Mallarmé como nós nos preocupávamos.
Recentemente lhe perguntaram o que estava lendo, e o sr. disse "Góngora". A literatura atual lhe interessa?
Leio muito os clássicos, não porque não aprecie a poesia que se faz agora, mas há coisas que francamente não me interessam muito, talvez por minha idade. O fato é que não estou em contato com a poesia mais moderna que se faz aqui e no mundo.
E quanto ao trabalho de seus colegas de geração, como Antonio Cisneros e Marco Martos?
Digamos que não há muita inovação. Cisneros já não publica poesia há uns seis anos. Marco Martos, decano da Faculdade de Letras, continua trabalhando sobretudo com a tradição hispânica. Quanto a mim, tenho me dedicado mais à prosa (acabo de publicar meu primeiro livro de contos), ao teatro e ao ensaio. No momento escrevo também poemas, mas estou menos envolvido com eles. Outro poeta de minha geração, Mirko Lauer, também tem escrito mais prosa do que poemas. O fato é que minha geração não tem publicado muita poesia.
O que o conhece da literatura brasileira?
Muito pouco. Claro que conheço os clássicos, também os concretistas, os irmãos Campos. Mas a verdade é que não se publica poesia brasileira por aqui, não há traduções de literatura em língua portuguesa. O Brasil continua sendo um continente à parte na América Latina?
Acho que sim, porque a língua é muito próxima da nossa e, ao mesmo tempo, diferente -o que, paradoxalmente, faz com que não haja comunicação nem tradução. Acho que, tirando Nélida Piñon, que é uma velha amiga, não conheço quase nada de literatura portuguesa ou brasileira atual. Assim, para nós, o Brasil parece um continente imenso e isolado.
Já esteve no Brasil?
Não. Sempre quis ir, mas essa será a primeira vez.
Além de escritor, o sr. também se tornou astrólogo. Os astros se tornaram mais interessantes que as palavras?
Na verdade as coisas vão juntas. Minha geração se interessou muito pelo esoterismo, que em parte também se ligava à contracultura, ao orientalismo -o "I Ching", o "Livro Tibetano dos Mortos" etc. Então, desde os anos 60 me interessei pela astrologia e até escrevi livros sobre isso.
E a política? Ainda lhe interessa?
A política não me interessa minimamente. Nos anos 60 e 70 a política foi muito importante para nós. Mas veja como estão as coisas. Realmente é uma vergonha. Olha o que os argentinos estão passando. Nós também estamos metido numa grande marmelada.
O sr. fez um mapa astral de Alejandro Toledo [presidente do Peru], não?
Toledo é de Áries. Bem, ele me pediu um mapa astral. Eu fiz e depois me dei conta de que era muito parecido com o de Vargas Llosa. Os dois nasceram no mesmo dia, 28 de março. Quando eu lhe disse o resultado, ele me falou: não podemos divulgar isso de maneira nenhuma. Mas finalmente acabei publicando o mapa na internet. E apoiei Toledo durante as campanhas presidenciais. O curioso é que o Peru é um país de Libra, o oposto de Áries (já o Brasil é de Peixes). Ou seja, elegemos um Áries, que representa a mudança; mas quem está governando realmente é o ministro da Economia [Pedro Pablo Kuczynski], que é de Libra e representa a conservação (risos). Ultimamente há algo que também tem me divertido muito. Tenho um programa de rádio, em Lima, em que trato da "gastrologia" -uma mistura de gastronomia com astrologia.
O sr. também escreveu um livro de gastronomia...
Sim. Nele eu procurei dar uma idéia de todas as mesclas culturais da culinária peruana: índios, espanhóis, negros, chineses, japoneses, italianos. Aqui no Peru houve uma mistura bem marcada, que terminou criando uma cozinha extraordinária, que a meu ver é uma das melhores do continente americano. Inclusive estou publicando uma versão interativa, em CD-ROM, desse livro -que levarei ao Brasil para mostrar o que estou fazendo. Dizem que Lima é a capital gastronômica da América, justamente pela confluência de variedades. A culinária peruana sempre foi boa, mas ultimamente ganhou muita força com a contribuição dos japoneses, como na criação da cozinha "nikei" -uma cozinha crioula, peruano-japonesa, muito interessante. A culinária peruana cresceu muito nos últimos 20 anos.



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