São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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+ história
Lançados há cem anos na Alemanha, os zepelins fazem novamente sucesso após um longo período de esquecimento
A volta dos charutos voadores

Ilana Seltzer Goldstein
especial para a Folha

Na primeira semana de julho houve festa no sul da Alemanha. Comemorou-se o aniversário de Ferdinand Graf von Zeppelin e o centenário do primeiro vôo da aeronave que levou seu nome. Ambos eram objeto de um verdadeiro culto na Alemanha do início do século. A força do mito pôde ser sentida na excitação da cidade de Friedrichshafen, às margens do lago de Constança, região natal de Graf Zeppelin e onde foi fabricada a maioria dos zepelins. Mais de 2.000 convidados se acotovelaram para ver a neta do conde batizar um novo dirigível, com tecnologia de ponta. Nas ruas, a população acompanhou com entusiasmo um desfile aéreo, e na Terceira Convenção Internacional de Aviação discutiram-se os usos futuros do zepelim. Fez também parte da programação a abertura de uma exposição sobre a vida do inventor, no museu Zeppelin. Ferdinand Graf von Zeppelin (1838-1917) traz em sua biografia um pouco das tensões da sociedade alemã da época, que passava por um processo acelerado de industrialização e modernização, conservando, contudo, o espírito militarista, patriótico e tradicionalista. Aluno da Escola Politécnica de Stuttgart, o conde se tornou cadete em 1855 e decidiu seguir carreira militar. Participando como observador na Guerra Civil Americana (do lado do Norte), teve a oportunidade de subir pela primeira vez em um balão, experiência que o fascinou. Seu diário revela que, já em 1874, ficou impressionado com uma palestra do diretor dos correios sobre a urgência do desenvolvimento dos transportes aéreos. Mas só se retirou da vida militar e política em 1890, passando a se dedicar exclusivamente ao projeto de construir um Luftfahrzeug. Em 1783, os irmãos Montgolfier já haviam tido, na França, o primeiro sucesso com uma "máquina voadora". Conseguiram levantar um balão com ar quente, mas o balão era carregado pelo vento descontroladamente. Poucos anos depois, surgiram balões experimentais movidos por motores a vapor e a pilha. Na virada do século, em meio a várias outras aventuras e fracassos aeromaníacos, foi Ferdinand von Zeppelin quem conseguiu passar para a posteridade. Mais importante que o vôo inaugural de 17 minutos, no dia 2 de julho de 1900, foi toda a infra-estrutura que progressivamente se instalou na região. Suas aeronaves foram o ponto de partida para o desenvolvimento posterior de vários ramos industriais: engrenagens, motores, aviões, armamentos, automóveis e barcos. Zeppelin foi, na verdade, um empreendedor visionário e carismático, que soube agregar em torno de si engenheiros, técnicos e verbas alheias. O zepelim difere dos balões e dos ocos "blimps" -infláveis com a mesma forma de charuto, que são usados para veicular propaganda- por possuir uma estrutura rígida interna. Sua função é manter a forma constante, independente da expansão do gás interno e da pressão atmosférica. Nos "blimps" e balões, o gás preenche todo o espaço da nave. No zepelim, como a forma é garantida pela estrutura de alumínio, o gás fica em apenas alguns cilindros impermeáveis, dotados de válvulas de escape. Sobra espaço interno para a tripulação, passageiros, passarelas e compartimentos.

Silencioso e não polui
O princípio de flutuação é simples: gases como o hidrogênio e o hélio são mais leves que o ar; logo, balões e zepelins alçam vôo sem esforço. Para fazer flutuar um quilo, é necessário um m3 de hidrogênio -um pouco mais, no caso de hélio. O piloto vai jogando com o volume das células de gás e um lastro de água -contrapeso que vai sendo eliminado- para fazer a nave subir e descer. Ele precisa conseguir um equilíbrio entre o gás interno e o ar se quiser manter uma altura constante. Ao contrário dos aviões, somente para se mover na horizontal é necessário algum tipo de propulsão.
O zepelim é silencioso, não gasta muito combustível, quase não polui o ar e transporta peso com pequeno dispêndio de energia. Por tudo isso e pelo fascínio que desperta, vêm surgindo novos projetos, após uma pausa de várias décadas. A Zeppelin Luftschifftechnik, desdobramento da empresa fundada pelo conde, em 1908, vem testando seu modelo NT (New Technology) desde 1997. Com 75 metros de comprimento, tem capacidade para 14 passageiros e pesa oito toneladas, o equivalente a oito automóveis. Equipado com quatro computadores de bordo e três motores capazes de atingir a velocidade de 120 km/h, aterrissa com a ajuda de apenas três pessoas em terra -no passado, eram necessárias dezenas para amarrar as cordas. Esse modelo teve um investimento inicial de 40 milhões de marcos, mas cinco exemplares já estão pré-vendidos para o setor de turismo. O próximo projeto para passageiros é o LZ N 30, com 86 assentos.
Os participantes da convenção internacional apontaram caminhos interessantes para o futuro do zepelim. Na Olimpíada de Sydney, por exemplo, as fotos e filmagens aéreas serão feitas a partir de um zepelim. Alguns países europeus pensam em utilizá-lo para vigiar fronteiras e fala-se em assegurar a proteção de reservas ecológicas da mesma maneira. De acordo com a American Blimp Corporation, os custos são modestos: cada hora em operação varia de US$ 115 a US$ 175, o que corresponde a um terço do custo de um helicóptero.
A CargoLifter, empresa alemã sediada a 60 quilômetros de Berlim, está desenvolvendo uma aeronave com 270 metros de comprimento para levar cargas largas e pesadas (160 toneladas, no total) a distâncias de até 10 mil quilômetros. O CargoLifter será especialmente importante em regiões com obstáculos naturais e malha ferroviária precária. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. Uma das empresas que já está interessada é a Siemens, mas a produção em série só deve começar em 2004.
A britânica ATG apresentou, na convenção, o Stratsat, capaz de atingir 20 mil metros de altitude. É voltado ao mercado de telecomunicações, principalmente telefonia celular e Internet. Há mesmo um projeto humanitário, entre os defensores da "tecnologia mais leve que o ar": usar os zepelins para encontrar e desativar minas em regiões como a Bósnia. Nesse caso, a vantagem sobre o avião e o helicóptero é a possibilidade de poder flutuar parado no ar, praticamente sem emitir vibrações. Entre executivos e fanáticos, o prognóstico é que, no século 21, haverá cada vez mais espaço para os "charutos voadores", que pareciam condenados após o acidente do Hindenburg, em 1937.


Ilana Seltzer Goldstein é mestre em antropologia pela USP e trabalha atualmente no Centro de Estudos da Sociedade Européia, na Alemanha.


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