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PONTO DE FUGA
Retorno à ordem
JORGE COLI
especial para a Folha
Abrigado no Palácio de
Chaillot, construção de um
classicismo que se quer moderno, o Museu da Cidade de Paris
encontra a coerência de suas
coleções numa modernidade
que se quer "clássica". Ele foi
criado depois da "volta à ordem" ocorrida por volta de
1930 nas artes plásticas, um
pouco cansadas das experiências de vanguarda que se aceleraram desde o início do século.
Enriqueceu-se sempre com
obras "sólidas", assentadas.
Confrontado ao Beaubourg,
pode parecer conservador.
Guarda, porém, imensos tesouros, alguns escolhidos a dedo e
apresentados na atual exposição do Museu de Arte Moderna, em São Paulo.
Alguns são secretos: assim, o
pequeno nu de Matisse, de
1901, em que o olhar pasma
diante de tanta invenção e tanta força em campo tão limitado; outros se impõem de modo
espetacular, como os quadros
de Léger ou Modigliani. Mas,
para além dos nomes célebres,
o conjunto nos traz também
artistas que foram aos poucos
esquecidos pelo público ou desdenhados pela crítica. Uma
história da arte muito seletiva
e uma crítica esnobe perderam
a consciência de que há um tecido de artistas "menores" capaz de permitir a plena compreensão dos "maiores", e de
que, às vezes, esses "menores"
são tão grandes quanto os
grandes. A exposição do MAM
nos convida a revisar, seriamente, as nossas visadas sobre
a arte do século 20.
ARGÊNTEO - Marquet explorou, no silêncio, a epiderme
da água, a saturação úmida da
atmosfera. Camoin foi pintor
da vibração erótica das cores.
São notáveis artistas que, por si
só, valeriam a visita à atual exposição do MAM. Existem outros, ainda, cujos horizontes
mais estreitos delimitam interrogações comoventes e cujos
quadros fazem confidências
como a um amigo: Gris, Herbin, Kisling. O "Gesso", de Dufresne, tela de 1918, é parente
daquele que Matisse pintaria
em 1919, hoje nas coleções do
Masp.
REGATAS - "Contemplação
do milagre da imaginação traduzida pelo desenho e pela
cor": a frase de Dufy trai o
mundo prazeroso de sua arte.
Algo de ágil, sem peso e sem
dor, como nos desenhos de
Guys, com uma sinceridade
inocente. A mostra do MAM
traz vários de seus quadros.
Dufy conhece, hoje, um sério
purgatório, decretado por uma
crítica caolha e preocupada
com as modas.
MARE NOSTRUM - Precipitem-se: na Aliança Francesa da
av. Santo Amaro, uma das melhores exposições individuais
em São Paulo. Christian Biancardini, francês de Marselha,
delimita, em quadrados e
triângulos, formas caligráficas
que flutuam na tensão de tons
ao mesmo tempo sutis e sustentados. Numa velha herança
mediterrânea, é como se caracteres árabes substituíssem as
representações contidas nas
métopas helênicas, métopas
capazes de evoluir para volu
mes, construindo pirâmides e
cubos prenhes de cor.
"Entracte", uma grande lona
pintada, é impressionante e revela a força do artista para dominar composições ambiciosas. A qualidade da apresentação, da iluminação, mais do
que valorizar cada objeto,
constrói diálogos, assinala coerências e faz crer que as obras
nasceram expressamente para
as salas onde se encontram.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@hotmail.com
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