São Paulo, domingo, 16 de agosto de 1998

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PONTO DE FUGA
Retorno à ordem

JORGE COLI
especial para a Folha

Abrigado no Palácio de Chaillot, construção de um classicismo que se quer moderno, o Museu da Cidade de Paris encontra a coerência de suas coleções numa modernidade que se quer "clássica". Ele foi criado depois da "volta à ordem" ocorrida por volta de 1930 nas artes plásticas, um pouco cansadas das experiências de vanguarda que se aceleraram desde o início do século. Enriqueceu-se sempre com obras "sólidas", assentadas. Confrontado ao Beaubourg, pode parecer conservador. Guarda, porém, imensos tesouros, alguns escolhidos a dedo e apresentados na atual exposição do Museu de Arte Moderna, em São Paulo.
Alguns são secretos: assim, o pequeno nu de Matisse, de 1901, em que o olhar pasma diante de tanta invenção e tanta força em campo tão limitado; outros se impõem de modo espetacular, como os quadros de Léger ou Modigliani. Mas, para além dos nomes célebres, o conjunto nos traz também artistas que foram aos poucos esquecidos pelo público ou desdenhados pela crítica. Uma história da arte muito seletiva e uma crítica esnobe perderam a consciência de que há um tecido de artistas "menores" capaz de permitir a plena compreensão dos "maiores", e de que, às vezes, esses "menores" são tão grandes quanto os grandes. A exposição do MAM nos convida a revisar, seriamente, as nossas visadas sobre a arte do século 20.

ARGÊNTEO - Marquet explorou, no silêncio, a epiderme da água, a saturação úmida da atmosfera. Camoin foi pintor da vibração erótica das cores. São notáveis artistas que, por si só, valeriam a visita à atual exposição do MAM. Existem outros, ainda, cujos horizontes mais estreitos delimitam interrogações comoventes e cujos quadros fazem confidências como a um amigo: Gris, Herbin, Kisling. O "Gesso", de Dufresne, tela de 1918, é parente daquele que Matisse pintaria em 1919, hoje nas coleções do Masp.

REGATAS - "Contemplação do milagre da imaginação traduzida pelo desenho e pela cor": a frase de Dufy trai o mundo prazeroso de sua arte. Algo de ágil, sem peso e sem dor, como nos desenhos de Guys, com uma sinceridade inocente. A mostra do MAM traz vários de seus quadros. Dufy conhece, hoje, um sério purgatório, decretado por uma crítica caolha e preocupada com as modas.

MARE NOSTRUM - Precipitem-se: na Aliança Francesa da av. Santo Amaro, uma das melhores exposições individuais em São Paulo. Christian Biancardini, francês de Marselha, delimita, em quadrados e triângulos, formas caligráficas que flutuam na tensão de tons ao mesmo tempo sutis e sustentados. Numa velha herança mediterrânea, é como se caracteres árabes substituíssem as representações contidas nas métopas helênicas, métopas capazes de evoluir para volu mes, construindo pirâmides e cubos prenhes de cor.
"Entracte", uma grande lona pintada, é impressionante e revela a força do artista para dominar composições ambiciosas. A qualidade da apresentação, da iluminação, mais do que valorizar cada objeto, constrói diálogos, assinala coerências e faz crer que as obras nasceram expressamente para as salas onde se encontram.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@hotmail.com



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