São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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Rorty sobre Unger

Richard Rorty

Nós, liberais trágicos, percebemos intencionalmente que lá na década de 1880 também poderíamos ter enxergado ilimitadas perspectivas. Nós poderíamos ter sido o jovem John Dewey em vez do envelhecido Henry Adams. Nós poderíamos ter lido Carlyle sem desencorajamento, Whitman sem risinhos e Edward Bellamy sem uma presunção selvagem. Hoje em dia, apesar de nossos medos, ainda insistimos que foi uma sorte para os Estados Unidos (...) que nossos predecessores os tenham lido dessa forma. Pois, na centena de anos que se passou, as coisas bem que se tornaram um bocado mais justas, decentes, iguais. As pessoas que leram aqueles livros tiveram muito a ver com fazer com que as coisas ficassem assim. Um século após a morte de Whitman pode parecer que, como disse Orwell, "as "perspectivas democráticas" terminaram em arame farpado". Mas nós percorremos um longo caminho antes de nosso século, e nossa esperança começou a se esgotar. Talvez os brasileiros (ou tanzanianos, ou alguém) sejam capazes de se esquivar desse arame farpado -apesar de tudo aquilo que as superpotências podem fazer para impedi-los.
["Política"] oferece uma presunção selvagem, uma série de sugestões concretas para arriscados experimentos sociais e uma polêmica contra aqueles que acreditam que o mundo está velho demais para ser salvo assumindo esses riscos. O livro não oferece uma teoria a respeito da sociedade ou da modernidade ou do capitalismo tardio ou das dinâmicas subjacentes de nada. Então, se Unger vai ter uma platéia, é possível que não seja entre as ricas democracias do Atlântico Norte. Os intelectuais por aqui continuam a achá-lo "disparatado", já que não se satisfaz com o que nós passamos a aceitar como expectativas legítimas. Ele não se mexe de acordo com nenhum dos jogos que sabemos jogar. Sua platéia natural pode estar no Terceiro Mundo -onde o seu livro pode algum dia tornar possível um novo romance nacional. Talvez algum dia ele ajude os cidadãos alfabetizados (isto é, pequeno-burgueses) de algum país a ver perspectivas onde antes viam apenas perigos -ver um até agora não-sonhado futuro nacional em vez de ver o país deles como condenado a seguir o papel que algum teórico estrangeiro escreveu para ele.


Richard Rorty é filósofo americano, professor na Universidade Stanford e autor de, entre outros, "Para Realizar a América" (DP&A). O trecho acima foi extraído de "Critique and Construction" (Cambridge University Press), de Robin W. Lovin e Michael J. Perry (orgs.).


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