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Rorty sobre Unger
Richard Rorty
Nós, liberais trágicos, percebemos intencionalmente que lá na década de
1880 também poderíamos ter enxergado ilimitadas perspectivas. Nós poderíamos ter
sido o jovem John Dewey em vez do envelhecido Henry Adams. Nós poderíamos ter
lido Carlyle sem desencorajamento, Whitman sem risinhos e Edward Bellamy sem
uma presunção selvagem. Hoje em dia, apesar de nossos medos, ainda insistimos que
foi uma sorte para os Estados Unidos (...)
que nossos predecessores os tenham lido
dessa forma. Pois, na centena de anos que se
passou, as coisas bem que se tornaram um
bocado mais justas, decentes, iguais. As
pessoas que leram aqueles livros tiveram
muito a ver com fazer com que as coisas ficassem assim. Um século após a morte de
Whitman pode parecer que, como disse Orwell, "as "perspectivas democráticas" terminaram em arame farpado". Mas nós percorremos um longo caminho antes de nosso
século, e nossa esperança começou a se esgotar. Talvez os brasileiros (ou tanzanianos,
ou alguém) sejam capazes de se esquivar
desse arame farpado -apesar de tudo
aquilo que as superpotências podem fazer
para impedi-los.
["Política"] oferece uma presunção selvagem, uma série de sugestões concretas para
arriscados experimentos sociais e uma polêmica contra aqueles que acreditam que o
mundo está velho demais para ser salvo assumindo esses riscos. O livro não oferece
uma teoria a respeito da sociedade ou da
modernidade ou do capitalismo tardio ou
das dinâmicas subjacentes de nada. Então,
se Unger vai ter uma platéia, é possível que
não seja entre as ricas democracias do
Atlântico Norte. Os intelectuais por aqui
continuam a achá-lo "disparatado", já que
não se satisfaz com o que nós passamos a
aceitar como expectativas legítimas. Ele não
se mexe de acordo com nenhum dos jogos
que sabemos jogar. Sua platéia natural pode
estar no Terceiro Mundo -onde o seu livro
pode algum dia tornar possível um novo romance nacional. Talvez algum dia ele ajude
os cidadãos alfabetizados (isto é, pequeno-burgueses) de algum país a ver perspectivas
onde antes viam apenas perigos -ver um
até agora não-sonhado futuro nacional em
vez de ver o país deles como condenado a
seguir o papel que algum teórico estrangeiro escreveu para ele.
Richard Rorty é filósofo americano, professor na Universidade Stanford e autor de, entre outros, "Para Realizar a América" (DP&A). O trecho acima foi extraído de
"Critique and Construction" (Cambridge University
Press), de Robin W. Lovin e Michael J. Perry (orgs.).
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