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PONTO DE FUGA
A cultura e o visível
JORGE COLI
especial para a Folha, em Paris
Ao inventar a grande pintura
do Ocidente, Giotto fez surgir
formas e obsessões individuais,
subordinando-as, no entanto,
às determinantes de uma cultura coletiva, que o artista renova, amplia e afirma. Este
modo ambicioso e elevado perdurou até o século 19; Delacroix foi um de seus maiores representantes e também o último. Depois dele, haverá ainda
pintores, mas é como se agora
eles reduzissem o teclado de
seus instrumentos ou se fechassem em campos pessoais. Ao
celebrarem bicentenário do
nascimento de Delacroix, neste
1998, os franceses preferiram,
ao invés de uma imensa exposição acumulativa, a inteligência de várias mostras menores,
multiplicando e dilatando
questões. A principal delas
ocorre no Grand Palais, em Paris, cobrindo somente os 13
anos finais do pintor. Houve
uma tal acuidade na escolha
das obras e a organização por
temas resultou tão expressiva,
que o gesto febril, impresso na
tela pela marca do pincel, evidenciou-se como agente cada
vez mais vital da forma e da
cultura. Na sala derradeira foram reunidas "As Quatro Estações", emprestadas pelo Masp:
tudo, na mostra, prepara e
conduz o espectador a essas sublimes telas, últimas e incompletas, que revelam, "in progress", os poderes criadores do
gênio.
PULSÕES - O bicentenário
de Delacroix, pelas mostras e
publicações que provocou, permite perceber melhor o romantismo francês. Menos melancólico ou "gótico" do que na Inglaterra; menos místico ou fantástico do que na Alemanha,
ele nasce épico e brutalmente
"realista", buscando forças furiosas de energia nos homens,
nos animais, na natureza. São
forças desencadeadas na violência de combates que, entretanto, suscitam a própria aniquilação, isto é, a morte na materialidade das feridas e das
carnes que apodrecem, sem
qualquer metafísica ou transcendência.
Baudelaire e Théophile Gautier foram, ao mesmo tempo, o
produto e os melhores analistas
contemporâneos desse romantismo feroz e deliquescente. A
crítica de Baudelaire é mais conhecida; a de Gautier ressurge
agora. Textos essenciais de ambos formam o recente "Correspondances Esthétiques sur Delacroix", editado pela Olbia.
SOLIDÃO - "Esqueçam tudo
o que vocês viram no cinema",
diz alguém em "Vampires", de
John Carpenter, que busca renovar o mito dos dráculas. Envolve a Igreja Católica até a
raiz dos cabelos, na boa tradição "gótica", protestante e anglo-saxônica do "Monge" de
Lewis; constrói personagens
cuja comicidade grotesca
avança ao par da violência distanciada pelos próprios excessos; sexualiza tudo de maneira
tão imediata, que as mordidas
deixam os pescoços para descerem entre as coxas. O resultado é desigual, mas inquietante e
amargo.
AMÉRICA - A estréia de Bidú Sayão no Metropolitan de
Nova York, em "Manon", de
Massenet (1937), foi gravada e
chegou a circular em LPs piratas inaudíveis. Retorna bem
restaurada em CD (Naxos). Bidú Sayão amadureceria o papel, como testemunha outra
gravação, antológica, ao vivo,
com Beecham na regência. Mas
a vibração comovente da estréia e a juventude radiosa da
voz são insubstituíveis.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br
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