São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997.



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LIVROS
A política da banalidade

'Breviário dos Políticos', de Jules Mazarin, traz lições aos que buscam alcançar o poder


MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas

A moda dos livros de auto-ajuda criou uma espécie de subproduto editorial: o das obras clássicas de aforismos e de sabedoria a respeito da condução da própria vida, no qual se incluem o excelente "Sobre a Brevidade da Vida", de Sêneca (Editora Nova Alexandria), os "Ensaios", de Emerson (Imago), as máximas de Vauvenargues (Paraula) e as de La Rochefoucauld (Imago).
Este "Breviário dos Políticos" se inclui, mal ou bem, no mesmo gênero. Jules Mazarin, ou Giulio Mazzarino (1602-1661), foi primeiro-ministro francês e tutor de Luís 14. Compartilha com seu antecessor, o cardeal de Richelieu, o papel de vilão nos livros dos "Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas, e o papel de herói na consolidação da monarquia absolutista.
O livro de Mazarin se compõe de uma série de ensinamentos, de parágrafos curtos, dirigidos a quem pretende alcançar ou manter o poder. É um exemplo do chamado "maquiavelismo" político, à medida que enaltece a dissimulação, a astúcia, a desconfiança irrestrita como fórmulas para se obter o sucesso.
Ao leitor contemporâneo, tudo parece ao mesmo tempo ingênuo e cínico. As notas epigramáticas, os conselhos supostamente astutos se sucedem.
Às vezes, são de uma banalidade constrangedora: "Não envies em embaixada um homem que possa se revelar teu adversário ou pretender usurpar teu poder: ele agiria contra teus interesses".
Outras vezes, são completamente arbitrários: "A maior parte dos mentirosos têm covinhas nas bochechas quando riem". "Desconfia dos homens de baixa estatura: eles são teimosos e arrogantes."
Custa a crer que um primeiro-ministro sábio e poderoso tenha podido escrever coisas desse tipo. Mas não é só de banalidades e idiotices que se compõe o livro. Frequentemente, os conselhos de Mazzarino são complicados: "Para desmascarar um falso amigo, envia-lhe um homem teu que, seguindo instruções tuas, lhe anunciará que estás à beira da ruína e da desgraça, que os documentos que fundavam tua posição neste mundo se revelaram sem valor. Se ele escutar teu emissário com indiferença, deve ser banido do número de teus amigos".
Ou então: "Se suspeitas que alguém tem uma opinião formada sobre um assunto, mas não quer se manifestar a respeito, sustenta o ponto de vista oposto durante uma conversação. Se tua opinião for de fato contrária à dele, dificilmente, apesar de toda desconfiança e circunspecção, ele conseguirá não se trair levantando objeções e fazendo observar que sua opinião é igualmente defensável, e, portanto, deixar te revelar o fundo de seu pensamento, mostrando que tem uma opinião diferente da tua".
Não sei que reação teve o leitor desta resenha ao ler uma citação dessas, mas a minha, infelizmente, é do mais profundo tédio. No meio da frase, deixo de prestar atenção no que está sendo dito. Há, creio, uma certa obscuridade abstrata, uma casuística glacial, em todos esses ensinamentos.
Não é absurdo dizer que, nesse gênero de livros, o que se pretende é uma contradição fundamental. Pretende-se, bem ao modo do classicismo seiscentista, reduzir tudo ao "espírito de geometria" de que falava Pascal. Ou seja, pretende-se reduzir a fórmulas matemáticas o que é do domínio da intuição, da confiança subjetiva, dos sinais imperceptíveis de pessoa a pessoa.
O resultado é uma exposição circunstanciada de hipóteses, de casos que funcionariam bem se tratados de forma ficcional ou sob o recurso de uma narrativa histórica. Descuidando dos exemplos para fazer "teoria", o cardeal Mazzarino cai facilmente no pecado de seu século, o da formalização empírica, o da generalização seca e ociosa.
O livro serve, então, como documento de época. É sobretudo um tratado sobre o poder, num período em que conservá-lo era menos uma questão de resistir à revolta popular e mais o de desbaratar as intrigas da corte. As principais regras que se deduzem deste livro são: dissimular; evitar os falsos amigos; aparentar virtude; conter-se; calar-se. Princípios valiosos num ambiente, o da corte, onde se falava demais e onde o engano e a hipocrisia eram a regra.
Não que, na política contemporânea, o engano e a hipocrisia deixem de ter papel importante. Mas tudo muda quando o público, ou a vítima, das artimanhas é o conjunto dos cidadãos, e não mais o Príncipe e seus apaniguados.
Um Duda Mendonça sabe mais do assunto que o cardeal Mazarin. Há, nesse sentido, um progresso histórico. Pode-se julgar este "Breviário dos Políticos" com uma frase destrutiva: quem conhece a política não tem nada a aprender com ele; e quem não conhece não saberá aproveitar nada do que está dito ali.


AS OBRAS

Breviário dos Políticos - Cardeal Mazarin. Tradução de Paulo Neves. Ed 34 (r. Hungria, 592, CEP 01455-000, SP, tel. 011/210-9478). 208 págs. R$ 11,00.
Breviário dos Políticos - Giulio Mazzarino. Tradução de Ana Thereza Basílio Vieira. Ed. Nova Aguilar/Lacerda (r. Dona Mariana, 205, casa 1, CEP 22280-020, RJ, tel. 021/537-8275). 120 págs. R$ 12,00.



O livro serve apenas para pesquisadores e interessados no período. Se, com seu título, aparenta ser uma espécie de denúncia ("Ah, então é assim que os políticos agem!"), essa denúncia é simplesmente boba.
A Editora 34 oferece uma versão melhor de Mazzarino. Comparem-se estas duas traduções. A da 34: "Não toleres que teu mestre te ordene uma ação criminosa: ao cumpri-la, talvez conquistasses sua gratidão no momento, mas em breve ele não veria em ti senão um censor". A da Editora Lacerda: "Não te encontres em estado do comandante te escolher para a execução de algum delito, porque embora no momento te veja com bons olhos, depois irá te visar como uma contínua reprovação da própria bandidagem".
Enfim, são duas edições para um livro que só interessará aos ingênuos ou aos especialistas -os mistérios do mercado editorial brasileiro ainda estão por ser explicados em profundidade.






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