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Tulsa: O coração do televangelismo
Vi [no Rio] garotos abandonados nas ruas; eu chorei
DO ENVIADO ESPECIAL AOS EUA
Tulsa, Oklahoma, é o
centro do televangelismo norte-americano, a fivela do "cinturão da Bíblia" -alcunha atribuída ao conjunto de
Estados do sul onde é marcante a presença de evangélicos
conservadores.
É aqui que Oral Roberts, um
dos ícones religiosos do país,
fundou a sua universidade, em
1963, e concebeu, a partir de visões de Jesus Cristo, um grandioso complexo hospitalar.
Batizado de Cidade da Fé,
sua vocação era unir medicina
e preces. O complexo médico
carismático foi inaugurado em
1981 e, em menos de dez anos,
em meio a uma profunda crise
financeira (e a despeito dos
US$ 9 milhões arrecadados entre os fiéis, graças a uma campanha televisiva), teve de converter suas torres em prédios
de escritório.
Em 2007, Richard Roberts,
filho mais moço de Oral e principal herdeiro da igreja do pai,
se viu envolvido num escândalo de malversação de verbas e
foi obrigado a se demitir da
presidência da universidade.
Oral Roberts ficou conhecido, a partir dos anos 40, por
suas cruzadas pelo país, primeiro em tendas itinerantes e
depois no rádio e na televisão.
Pregava a cura pelo toque
-paralíticos largavam as muletas e saíam andando, mudos falavam, cegos passavam a ver.
Exortava os telespectadores a
aproximarem as mãos da tela
do televisor em casa.
Gerou controvérsia quando
passou a dizer que também ressuscitava mortos.
Carlton Pearson, 55, veio para Tulsa estudar na Universidade Oral Roberts, o maior sonho de sua família de quatro
gerações de pentecostais negros e pobres de San Diego, na
Califórnia. E logo se tornou o
preferido de Roberts, que precisava de cantores negros em
sua igreja.
"Eu era o filho negro de
Oral", diz Pearson, com uma
ponta de orgulho, em seu escritório no centro de Tulsa.
Durante anos, ele e Richard,
que se preparava para herdar o
império evangélico do pai, trabalharam juntos para a igreja,
como irmãos: "Cantávamos,
pregávamos e tirávamos o diabo do corpo das pessoas".
O talento de Pearson para o
negócio vinha de longa data,
desde que, aos 16 anos, expulsou o diabo do corpo da namorada: "Tínhamos jejuado e rezado juntos. E ela foi possuída.
Depois, achei que era uma traidora. Mas, se acredita no diabo,
do modo como fomos ensinados a crer, ele se manifesta".
O pastor herege
Pearson acabou alcançando
projeção nacional como líder
da maior igreja neopentecostal
de Tulsa, a Higher Dimensions
(Dimensões Superiores) -com
5.000 membros-, e organizador de uma concorrida conferência anual de 40 mil pastores
evangélicos, antes de cair em
desgraça e passar a ser chamado de herege por seus pares.
Sua heresia não foi de ordem
financeira ou sexual, pecados
que têm acometido evangélicos
ilustres nos EUA, levando-os a
perder não só a moral mas suas
congregações.
É o caso célebre de Ted Haggard, que comandava a Associação Nacional de Evangélicos,
com 30 milhões de membros, e
que foi à televisão condenar
Pearson, antes de cair ele mesmo em desgraça, em 2006.
Haggard, que também estudou na Universidade Oral Roberts antes de fundar a New Life Church (Igreja Vida Nova),
em Colorado Springs, era um
homem casado e pregava os valores da família contra o aborto
e o casamento homossexual,
até ser desmascarado como
consumidor de metanfetaminas e cliente regular de um
"acompanhante profissional".
O inferno não existe
"Acho que agora ele está tentando conseguir um diploma
em psicologia", diz Pearson, cuja descida aos infernos teve início quando passou a dizer, para
indignação e horror de seus colegas evangélicos, que o inferno
não existe.
A iluminação veio em 1995,
enquanto assistia a um programa sobre o genocídio em Ruanda, na TV:
"Somos nós que criamos o inferno. Vi tudo aquilo com meu
filho pequeno sentada no colo.
Ouvi a voz que eu achava ser de
Deus, falando à minha alma,
perguntando sobre meu filho,
que engatinhava entre as minhas pernas: "O que esse menino pode fazer para você mandá-lo para o inferno, para ser torturado para sempre?". Nada,
pensei. "E o que o leva a pensar
que nós faríamos isso com ele?",
disse a voz. Está na Bíblia, respondi. Comecei pelo inferno e
acabei denunciando a Bíblia.
Muito do que está na Bíblia é
superstição, mito. Passei a pregar isso toda semana. Não dizia
literalmente, preto no branco,
mas já não idolatrava as Escrituras. Foi o que me pôs em apuros com os evangélicos."
Pearson se converteu ao que
hoje ele chama de "evangelho
da inclusão": o amor aos marginalizados, aos drogados, aos
homossexuais, aos soropositivos etc. Mas foi só depois da
eleição de Bush, em 2000, que ele próprio e seus pares começaram a entender as conseqüências do que estava dizendo. Afinal, se o inferno não existe e ninguém precisa ser salvo,
para que servem as igrejas?
Os fiéis debandaram. No final, restavam 200 num auditório de 2.200 lugares. Em dezembro de 2005, Pearson foi
obrigado a vender a igreja.
"A propriedade valia cerca de
US$ 6 milhões. Ainda devíamos
US$ 2,8 milhões de hipoteca.
Renunciei ao nome. Perdi meu
programa de TV, meus direitos
intelectuais, meu seguro. Fiquei só com as calças."
Bispo de brinco
"Perdi meus cartões de crédito. Minha renda vinha de pregações e palestras. Ninguém
me convidava para mais nada.
Ted Haggard foi à TV dizer que,
se me abandonaram, era o mercado, como um show do qual as
pessoas não gostam. Há 1.600
denominações religiosas nos
EUA. Se você não gosta do que é
dito numa igreja, atravessa a
rua e vai assistir ao serviço em
outra. As pessoas são devotas
do inferno. Têm um compromisso com o inferno. Então,
quando tirei o diabo delas, ficaram indignadas e o queriam de
volta", diz.
Pearson fundou imediatamente uma nova igreja (a New
Dimensions, Novas Dimensões) para pregar seu "evangelho da inclusão".
Reinventou sua vocação pentecostal em meio ao universo
das igrejas liberais americanas:
"Ainda sou bispo, mas onde é
que já se viu um bispo de brinco?", diz, às gargalhadas, apontando para a argola na orelha.
Hoje, já olha para trás com
ironia. Mantém um escritório
no 29º andar do segundo prédio mais alto do centro de Tulsa, com fotos dos filhos e da
mulher sobre a mesa, de onde
avista não apenas um punhado
de igrejas de diferentes denominações, aos seus pés, mas
também as torres da Cidade da
Fé, ao longe: "Queria poder ver
as coisas de cima", diz, rindo.
A comunidade judaica e os
gays o acolheram na queda. E,
desde então, passou a freqüentar os que antes condenava. "Eu
costumava passar pela frente
desta igreja dizendo "o diabo
mora aí". E agora o diabo sou eu
aqui", diz para uma platéia de
30 pessoas, durante o serviço
de quarta-feira à noite, na Igreja Unitária Todas as Almas.
A igreja fica num dos bairros
residenciais mais afluentes de
Tulsa, construído com o dinheiro do petróleo, e é a maior
congregação de uma das denominações religiosas mais heterodoxas do país, a ponto de não
pregar a Bíblia.
"Eles já não eram racistas
quando não era permitida a entrada de negros neste bairro depois das seis da tarde. Era esta
igreja que o filho mais velho de
Oral Roberts freqüentava
quando se suicidou. Foi a única
que o recebeu, porque ele era
gay. Há muita hipocrisia na religião. Os fundamentalistas estão cheios de adúlteros, alcoólatras, fornicadores, drogados.
Sabem disso e estão cansados
de si mesmos. Os militantes antiaborto não fraquejam enquanto suas filhas não forem
estupradas por um negro. Aí
eles ficam a favor do aborto.
Todo mundo é contra o aborto
enquanto for conveniente", diz.
Pearson é republicano registrado desde a eleição de Ronald
Reagan, em 1980. Fez campanha por Bush, em 2000, e foi recebido na Casa Branca.
Mas fica indignado quando
lhe perguntam se faria o mesmo por McCain: "A América é
muito orgulhosa para pôr na
Casa Branca um homem que
não consegue levantar o braço.
Também não vai pôr ali um homem com sotaque. Nem um
homem com aparência desagradável. Tampouco gosta de
homens de óculos. É uma coisa
psicológica. McCain não consegue apertar a mão das pessoas
com o vigor de Obama".
Galinha morta
Falando em inferno, Pearson
se lembra de uma visita ao Rio:
"Vi garotos que formavam pequenas quadrilhas para roubar,
abandonados nas ruas como
cachorros. Eu chorei. E aí me
levaram para visitar o Cristo
[Redentor]. Me senti paralisado. O que nos leva a fazer isso
uns aos outros? Lá de cima, via
uma igreja a cada esquina".
"Uma catedral católica, uma
igreja pentecostal e o fetichismo de uma galinha morta na
qual eu tropecei ao entrar num
banco. O que é que está acontecendo? Não há diferença entre
a galinha morta e a catedral. É
alimento para uma mentalidade fetichista de um Deus bravo
que o matará se você não beijar
os pés dele. Quero ver você publicar isso."
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