São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

San Antonio: Catolicismo hermano

"A Igreja Católica faz esforço para chegar aos imigrantes, mas não sabe como; nessa área, os evangélicos são muito ativos"

DO ENVIADO ESPECIAL AOS EUA

Ainda está escuro quando o padre Tony Vilano, 42, começa a celebrar a missa das 6h15 na catedral histórica de San Fernando, a mais antiga do país, em San Antonio, Texas.
Cerca de 20 pessoas assistem à missa bilíngüe na pequena igreja, fundada em 1731 por famílias vindas das Ilhas Canárias a convite do rei Filipe 5º, da Espanha. Dez são freiras.
É a primeira semana do padre Vilano como reitor da paróquia no centro histórico da cidade, uma espécie de parque temático do Velho Oeste, para turistas.
Vilano nasceu na Alemanha, filho de um oficial da Força Aérea dos EUA, e cresceu no sul do Texas. Os pais vêm da região da fronteira com o México. Antes de San Fernando, serviu em paróquias de cidades pequenas. "Nas montanhas, em Curville e em Charlotte, há mais gente que acabou de chegar do México, trabalhando em ranchos. Deve haver aqui também, mas há mais na área rural. Essa é a minha experiência. Eles vêm para a igreja quando estão passando necessidade, vêm em silêncio e rezam por suas famílias no México", afirma.
A Igreja Católica, embora continue sendo a maior denominação religiosa nos EUA, com 23,9% da população adulta (os protestantes representam 51,3%, dos quais 26,3% são evangélicos, mas divididos em uma grande variedade de denominações), foi também a que sofreu mais baixas (10% dos americanos são ex-católicos, segundo a pesquisa do Pew).
E as perdas só não são maiores porque acabam compensadas pelo fluxo de imigrantes da América Latina, principalmente mexicanos.
A maioria da população católica de San Antonio é de origem hispânica. São cerca de 1.600 famílias na congregação, segundo Vilano.
"A imigração é um grande tópico. O Congresso está votando leis. Mas há diferenças dentro da própria comunidade hispânica. Entre os que estão aqui há mais tempo, com raízes estabelecidas, muitos são contra. Os que chegaram há menos tempo são a favor de leis mais justas. Os bispos do Texas acham que devem existir leis para proteger as fronteiras dos EUA, mas também acreditam em condições mais justas, sobretudo para os que estão aqui com os filhos nas escolas", diz.

Mestiçagem
Natural de San Antonio, onde uma praça do centro foi batizada em sua homenagem, o padre Virgilio Elizondo, considerado um dos líderes espirituais mais inovadores da atualidade pela revista "Time", foi reitor da catedral de San Fernando durante 12 anos e hoje leciona teologia na universidade de Notre Dame, em Indiana.
Elizondo ficou conhecido sobretudo por sua leitura política da idéia de mestiçagem cultural e racial, defendida em livros como "Galilean Journey - The Mexican-American Promise" (A Jornada Galiléia - A Promessa México-Americana), publicado nos anos 1980 e no qual faz uma analogia entre o imigrante mexicano nos EUA (o "mestiço") e a experiência de Jesus na Galiléia.
"Acredito que, por trás da violência desencadeada por um pequeno, mas poderoso, grupo de racistas brancos em relação à questão da imigração nos EUA, esteja precisamente o medo da "mistura". É mais fácil lidar com uma divisão entre negros e brancos do que com o que fica entre uma coisa e outra. A mistura de raças era proibida nos EUA até essas leis serem tornadas inconstitucionais, em 1967. O Estado de Alabama só as eliminou em 2000."
"A religião poderia ter um papel importante na conversão dessa mentalidade da desigualdade baseada na cor, mas não ouço a igreja falando sobre isso." "No encontro de bispos em Aparecida (SP) [em 2007], todos os cardeais em torno do papa Bento 16 na sessão de abertura eram homens brancos -nenhuma mulher, nenhum pardo, nenhum negro. É uma mensagem racista poderosa enviada ao resto da sociedade", acrescenta.
O Fórum Pew estima que 1,3 milhão de católicos hispânicos tenham se convertido ao pentecostalismo desde que emigraram. "A igreja nos EUA está fazendo grandes esforços para chegar aos imigrantes, mas muitas vezes não sabe como. Nessa área, os evangélicos são muito ativos", diz Elizondo.

Conservadorismo relativo
Segundo Gastón Espinosa, professor de estudos religiosos do Claremont McKenna College, na Califórnia, e presidente da Comunidade Hispânica de Estudiosos da Religião, 53% dos imigrantes já chegam aos EUA convertidos ao pentecostalismo; o resto se converte em solo americano.
Dos 46 milhões de latinos no país, 70% se mantêm católicos.
"Os carismáticos católicos têm sido muito ativos na comunidade latina desde pelo menos 1972. E foi o que ajudou a mantê-los em torno de 70% por mais de duas décadas. Mais de 22% (7,1 milhões) da população de latinos católicos nos EUA se identifica ao mesmo tempo como renascida em Cristo, pentecostal ou carismática", afirma Espinosa.
Em geral, o imigrante hispânico que se converte ao pentecostalismo também fica mais aberto aos pontos de vista republicanos sobre a família, o casamento homossexual e outros itens relacionados.
"Mas é preciso ter em mente que, embora relativamente mais liberal em alguns desses itens, a maioria dos católicos também é contra o casamento homossexual e o aborto. No que diz respeito à liberdade de credo e de opinião, à autoridade das hierarquias religiosas e às mulheres no sacerdócio, os evangélicos são politicamente mais liberais. Os dois grupos são politicamente conservadores e liberais à sua maneira", diz Espinosa.
A imigração não garante, portanto, uma comunidade católica mais liberal. Em alguns aspectos, ao contrário, pode até torná-la mais conservadora.
"Os católicos euro-americanos tendem a ser muito mais progressistas, do ponto de vista político, do que a média dos católicos na América Latina, enquanto a hierarquia nas duas regiões tende a ser conservadora em certos assuntos (casamento homossexual, ordenação de mulheres etc.) e liberal em outros, como a pena de morte, a reforma da imigração e os direitos civis", afirma.


Texto Anterior: Tulsa: O coração do televangelismo
Próximo Texto: Newark: Alegrias do culto brasuca
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.