São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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Newark: Alegrias do culto brasuca

"Pedi a Deus para me casar com um homem americano, alto, branco, porque estava cansada de brasileiro; em 20 minutos encontrei meu marido"

DO ENVIADO ESPECIAL AOS EUA

A banda toca no palco que serve de altar e tem como fundo a pintura de uma cascata, enquanto três mulheres com cabelo até a cintura evoluem numa coreografia sincronizada e ondulante diante da platéia de fiéis que veio assistir ao culto, numa noite chuvosa de quarta-feira, no segundo andar da Igreja Pentecostal Missionária de Língua Portuguesa, no tradicional reduto luso de Ironbound -hoje dividido com brasileiros e hispânicos-, em Newark, Nova Jersey.
"Aqui é diferente", diz Nádia Adler, há três anos nos EUA. Casada com um executivo americano que conheceu no México, Nádia percorre 20 quilômetros de carro para vir de sua casa, numa área residencial de Summit, até Ironbound. "Igreja americana é muito sem graça. Lá onde eu moro só tem americano. Aqui tem louvor", afirma.
A Igreja Pentecostal Missionária de Língua Portuguesa foi fundada em 1992 pelo pastor Zeny Tinouco e sua mulher, Maria do Socorro. Hoje conta com mais três sucursais na região metropolitana de Nova York -em Astoria, Garden City e Manhattan.
Quando saiu de Brasília, com a mulher e os filhos, há 17 anos, o pastor deixou para trás 28 igrejas, que hoje são administradas pelo irmão, sob a denominação Ministério da Fé.
Dos aproximadamente 225 milhões de adultos nos EUA, 34 milhões nasceram fora do país e cerca de 17 milhões não dominam a língua inglesa. Entre os hispânicos, apenas um quarto é fluente em inglês.
Os cultos na Pentecostal Missionária são celebrados em português, o que não impede que muitos brasileiros usem, por força do hábito, a interjeição "yeah" antes de cada resposta que dão, em português.
Sou recebido pelo diácono Adair Braz, de Anápolis (GO), que está nos EUA há cinco anos e, na igreja, há três. Já trabalhou em construção civil e agora é empregado de uma fábrica de camisas. Ainda está ilegal.

Exportador de igrejas
Conseguiu trazer a mulher, mas o filho de cinco anos ficou no Brasil com a avó. Não pode visitá-lo, sob o risco de não conseguir voltar aos EUA.
Braz já era evangélico antes de imigrar. Pertencia à Igreja Pentecostal do Brasil para Cristo. "Acabaram de abrir uma em Nashville", diz, orgulhoso. Para brasileiro? "Não! Para americano!" O Brasil está exportando igreja para cá?
"Oh, yeah. É o segundo maior exportador de igrejas depois dos EUA. Tem igreja aqui, na África, na Rússia. E tem feito diferença, viu? A igreja brasileira se destaca. Na americana, o culto é em inglês. Aqui, tem tradutor simultâneo", diz.
O pastor Tinouco está viajando. É o filho mais velho, Fábio, quem celebra o culto. "Temos quatro igrejas começando na Flórida. Crescemos lentamente, mas mantemos o número. Somos uma igreja de imigrantes", diz.
Os cultos são transmitidos por web e em breve poderão ser assistidos pelo canal Almavision, em TV por satélite.
Paulo Tinouco, o filho mais novo, que chegou aos EUA com nove anos e participou, como fuzileiro naval, da Guerra do Iraque ("Estava no terceiro tanque a entrar no Iraque. Ficamos um mês no Kuait, antes de invadir. E depois fomos até Bagdá"), quer estudar produção de TV na universidade, para ajudar no negócio da família.
A congregação em Ironbound já teve quase 80% de portugueses. Hoje, são menos de 50%. Durante o culto, é uma senhora com sotaque português quem entoa a benção "às criancinhas". Entre os que se converteram ao pentecostalismo aqui, Rosângela Vaz.
Ela era gerente de telemarketing e vendas antes de sair do Brasil. E era católica, até sofrer grave acidente de carro, quando dirigia na estrada que liga Newark a Nova York.
Não falava inglês e tinha de responder a processo. O marido, americano de uma evangélica brasileira, se prontificou a servir de intérprete se ela fosse visitar a igreja. "E aqui o Senhor me disse que estava comigo", diz Rosângela, que foi liberada de todas as acusações e nunca mais deixou a igreja.
"Para mim, não foi nada disso. Foi o amor que me trouxe para a igreja", diz Nádia Adler, que, antes de imigrar para os EUA, "vivia em cartomante, macumbeira e espiritismo". Era modelo no México ("porque lá não precisa ser alta. São Paulo exige muita altura") quando encontrou o executivo americano com quem se casou.

"Antes usava decotão"
"Sou das poucas legalizadas. Todo mundo sabe que esse meio está cheio de prostituição e drogas. Nunca usei drogas, mas estava com problema sério de "panic". Tomava remédio. Já tinha muito temor a Deus, mas meu negócio era dinheiro. Pedi a Deus para me casar com um homem americano, alto, branco, de cabelos pretos, porque estava cansada de brasileiro. Em 20 minutos encontrei o meu marido. E me tornei evangélica. Aqui, a gente vê o poder de Deus. Não gosto de igreja tradicional. Gosto de igreja avivada, que acredita no Espírito Santo. Antes, usava decotão. Agora, não uso mais. É o Espírito Santo que molda a gente."


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