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+(L)ivros
O doce amanhã
Estudo crucial sobre o
processo de democratização de Portugal,
"O Império Derrotado",
de Kenneth Maxwell,
sai no Brasil
EVALDO CABRAL DE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
Império Derrotado" é uma narrativa estruturada da
transição portuguesa da ditadura
à democracia, que vai do incidente prosaico que vitimou Salazar à Presidência de Mário
Soares.
Para reconstituir a trajetória
do que chamou aptamente de
"uma revolução domada", Kenneth Maxwell optou pela singularidade da experiência lusitana, ao invés de descambar
para um comparatismo sociológico que lhe poderia ter rendido análises eruditas, mas que
perderia o essencial.
Como acentuou, "nenhuma
revolução deixa de sugerir paralelos. Mas atentar demais para a teoria e de menos para circunstâncias específicas pode
atrapalhar a compreensão".
O que, aliás, ocorreu também
em Portugal em nível da ação
dos protagonistas, indivíduos,
partidos, instituições, grupos
de pressão, setores sociais, cujas "interpretações altamente
teóricas e ideológicas [...] se revelaram muito desvinculadas
das realidades portuguesas".
Donde a "grande ironia" consistente em que "aqueles que
supostamente baseavam suas
análises políticas na interpretação de condições sociais e
econômicas se equivocaram
por inteiro a respeito da dinâmica social de Portugal".
Saudável empirismo
Em resumo: nada como um
saudável empirismo anglo-saxônico para acercar-nos da realidade histórica.
Outra opção importante na
redação de "O Império Derrotado" residiu em focalizar a
narrativa na avaliação dos atores a respeito das situações em
que agiam, em especial as relações de força no interior das
tendências políticas e também
nos âmbitos nacional e internacional. Assim, o autor logrou
escapar ao perigo que, em nossos dias, ronda permanentemente o historiador, de lhe escapulir a dimensão dramática
da ação política.
O que, aliás, não importa em
ignorar as "restrições estruturais -socioeconômicas e psicológicas, além das geradas pelo
contexto internacional- que
invariavelmente estabelecem
poderosos limites"; mas tão-somente em imbricar sua operação e o desempenho dos protagonistas, em vez de fazê-la funcionar num vácuo analítico.
Dito de outra maneira, deixar
que as estruturas operem dialeticamente com a atividade individual ou corporativa.
Inclusive a estrutura de natureza ideológica; qual seja, a
obstinada resistência do regime salazarista a aceitar quaisquer modificações no estatuto
das possessões africanas de
Portugal. "A mitologia do Império, tanto quanto sua realidade, enredava os portugueses",
pois "a incômoda verdade era
que, até os últimos momentos
do antigo regime, o sistema
derrubado pelo golpe [de 1974]
contara com a aprovação ou
aquiescência da maioria dos
portugueses". Nessa intransigência que levava a um beco
sem saída, o autor acentua o
que ela comportava de patológico do ponto de vista da escala
histórica do raciocínio político,
como percebeu George Ball ao
visitar Lisboa.
Segundo o subsecretário de
Estado do governo Kennedy,
"Salazar estava absorto em
uma dimensão temporal muito
diferente da nossa", vivendo
"em mais de um século, como
se o príncipe Henrique, o Navegador, Vasco da Gama e Fernão
de Magalhães ainda fossem ativos na formulação da política
portuguesa".
Na realidade, tanto o príncipe Henrique quanto Vasco da
Gama ainda formulavam a política portuguesa; e só o pragmatismo ianque poderia empregar
o "como se". Não o teria feito
decerto um positivista, lembrado do aforisma de Comte de
que os mortos governam os vivos. Mas, finalmente, contra a
lógica de Quixote, acabou prevalecendo a de Sancho Pança, a
se exprimir na frase do general
Spínola, para quem "as nações
preferem viver prosaicamente
do que desaparecer em glória".
Maxwell distingue as duas fases da Revolução dos Cravos:
radicalização esquerdizante
até março de 1975, simultaneamente à tentativa frustrada de
contragolpe spinolista, a qual, a
princípio, favoreceu a esquerda
radical. "As circunstâncias reverteram-se dramaticamente."
"Entre março e novembro de
1975, o destino da revolução foi
selado e, apesar das formidáveis vantagens da esquerda em
março de 1975 -controle da
administração, dos sindicatos,
da mídia e da iniciativa política-, no final de novembro a esquerda estava desunida, enfraquecida, na defensiva, com seu
poder esvaziado."
Fragilidade da esquerda
Ironicamente, malgrado as
ingênuas certezas de que "a dinâmica revolucionária" se imporia fatalmente ao "processo
eleitoral", as eleições de abril
daquele ano para a Assembléia
Constituinte -ao revelarem,
como que fotograficamente, a
verdadeira relação de forças no
país- expuseram impiedosamente a fragilidade da esquerda disfarçada sob a empolgação
revolucionária e em breve vítima do seu desprezo genético
pelo regime representativo.
"Pela primeira vez desde o
golpe de abril, existia uma fonte
de legitimidade alternativa" ao
Movimento das Forças Armadas. Graças à Constituinte, o
"processo eleitoral" se impôs à
"dinâmica revolucionária". O
tradicionalismo dos pequenos
proprietários minhotos, trasmontanos e beirões levaram a
melhor sobre o esquerdismo do
proletariado dos centros urbanos e do rural da grande propriedade alentejana.
O radicalismo revolucionário
conhecia bem melhor os clássicos do marxismo do que a história do país no século 19; e sucumbiu ao voluntarismo político. Os chamados "operacionais" do Exército, grupos de
oficiais sem compromisso nem
com o passado salazarista nem
com os delírios ideológicos do
presente, prevaleceu sobre as
facções que haviam balcanizado as Forças Armadas.
O Partido Socialista, que
rompera a aliança inicial com o
resto da esquerda, colheu os
frutos políticos do meio-termo.
E a Europa e os Estados Unidos
tiveram finalmente a ocasião
que lhes faltara até então de influenciar decisivamente o que
se passava em Portugal.
EVALDO CABRAL DE MELLO é historiador, autor de, entre outros, "Um Imenso Portugal" (ed.
34) e "O Negócio do Brasil" (ed. Topbooks).
O IMPÉRIO DERROTADO
Autor: Kenneth Maxwell
Tradução: Laura Teixeira Motta
Editora: Companhia das Letras (tel.
0/ xx/11/3707-3500)
Quanto: R$ 49,50 (336 págs.)
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