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+(s)ociedade
De volta para o real
Educadores e psicólogos britânicos atacam cultura "junk" e alertam que as crianças estão perdendo a capacidade de experimentar
ERNANE GUIMARÃES NETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma carta aberta
acendeu um debate no Reino Unido
sobre educação,
tendo como ponto
de partida a saúde mental das
crianças. Publicado na última
terça-feira no "Daily Telegraph", o manifesto parte da
constatação de que aumentou a
incidência de depressão infantil no Reino Unido para criticar
a "junk culture" (cultura do industrializado, do virtual).
O documento conta com a
assinatura de 110 profissionais,
entre psicólogos, professores,
escritores e ativistas.
Segundo a carta, em contraste com o estilo de vida atual, as
crianças necessitam de "comida real (em oposição ao "lixo"
industrializado)" e "experiência do mundo em primeira
mão". O texto nota que a sociedade cerca os jovens de proteção física, mas descuida de suas
carências sociais e emocionais.
O psicanalista Andrew Samuels, da Universidade de Essex, é um dos signatários. Autor de "A Política no Divã"
(Summus), Samuels, que virá a
Salvador (BA) no final de outubro para um encontro com terapeutas, disse que os britânicos estão atrasados: outras sociedades já prestam atenção ao
problema há mais tempo.
FOLHA - Por que a carta agora?
ANDREW SAMUELS - Há um interesse crescente em saúde mental no Reino Unido. Todos se
preocupam com ansiedade e
depressão. A psicologia deixa
de ser "não-britânica".
A carta é sobre o real. Há o temor entre nós de que o real esteja sendo perdido. Relacionamentos reais, corpos reais, atividades reais, imagens reais estão sendo perdidos e não estão
sendo substituídos pela imaginação. Estão sendo substituídos por um truque, uma alegação falsa de que se vê algo real.
FOLHA - É um fenômeno restrito ao
Reino Unido?
SAMUELS - Em outros países,
parece que se pensa mais nisso,
em especial nos EUA. Mas parece que chegou o momento no
Reino Unido. Há o reconhecimento de que a educação decaiu terrivelmente, uma revolta contra a ênfase governamental em estatísticas. Isso significa que a "junk culture" invadiu
as escolas, tornando-as sem
sentido. Queremos a educação
contra o "lixo" cultural e, em
minha opinião, contra a americanização de nossa cultura.
FOLHA - Qual o problema dos EUA?
SAMUELS - Os videogames, a internet são um estilo americano
que chegou. As crianças não
saem mais, mesmo na escola a
internet é usada de uma maneira muito ruim. Os professores
brasileiros falam sobre o problema da pornografia? Os países desenvolvidos têm uma
pandemia de masturbação
masculina. O homem se habitua a ficar no computador, e os
casais não têm sexo suficiente.
As mulheres reclamam disso.
FOLHA - Os números relacionados
à saúde mental das crianças acompanham os números dos adultos?
SAMUELS - Há um aumento
enorme da depressão em nível
mundial, mas o fenômeno de
depressão infantil no mundo
desenvolvido pode ser novo.
Hoje, 10% dos britânicos abaixo de 18 anos têm algum problema psicológico sério.
FOLHA - Que políticas seriam boas?
SAMUELS - Nas escolas, é preciso mais atenção individual, ênfase na criatividade juntamente com as metas acadêmicas e
responsabilidade social. E não
adianta só falar às crianças: não
assista à TV, não coma "junk".
É preciso dizer algo positivo:
"Relações reais são melhores,
não têm os limites da tela".
FOLHA - Desde o dia 1º, o Brasil
tem nova auto-regulação em publicidade para crianças. Fará diferença?
SAMUELS - Claro. Temos isso
também. Mas tenho suspeitas.
"Veja como nós publicitários
não somos tão maus." É propaganda para a propaganda.
FOLHA - Que dizer ao menino que
prefere o videogame à bola?
SAMUELS - Pergunte se ele quer
dar o controle de sua vida a uma
máquina. Nesses jogos não há
realmente futebol. Você tem
medo da realidade?
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