São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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DEPOIMENTOS

Modesto Carone, escritor e crítico literário, autor de "A Poética do Silêncio", sobre João Cabral - Ninguém pode negar que o impacto da morte de João Cabral de Melo Neto foi muito forte, por todos os motivos pessoais e intelectuais que ela teve e continuará tendo no âmbito da cultura brasileira. Quando se pensa que Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e João Cabral já se foram, a imagem que vem à mente é a de que a poesia acabou no Brasil. Mas é óbvio que essa fantasia está coberta de luto e se soma às decepções com o país que as novas (e velhas) gerações vêm experimentando. É preciso lembrar, no entanto, neste momento, que Ferreira Gullar está escrevendo e que vozes diferentes, como a de Francisco Alvim, ainda soam -discretas, mas que ao lado de outras compõem um tecido vivo que sem dúvida vai se estender no tempo. Não custa repetir, aliás, que a poesia é necessária, qualquer que seja a circunstância.

Francisco Achcar, crítico literário, autor de "Lírica e Lugar Comum" -João Cabral foi o último dos poetas a ter leitores fora dos círculos de "especialistas" ou das "coteries". De resto, não se lê poesia. É curioso que também as "coteries" -políticas, estéticas- pouco lêem poesia, mesmo a poesia dos "seus" poetas. Isso faz que o Brasil dê a impressão, provavelmente verdadeira, de ter mais poetas do que leitores de poesia. Mesmo no caso de João Cabral, parece que até pessoas supostamente cultas não chegam a ir além de "Morte e Vida Severina", seu texto menos característico, teatral, deliberadamente fácil e já veiculado pela televisão e pela música popular.
A geração de poetas que vem depois de Cabral tem, a meu ver, seus expoentes em Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, de um lado, e Ferreira Gullar, do outro. Destes, Gullar é de longe o mais lido, sempre dentro daqueles grupos restritos e ainda assim por causa da combinação de ardor político e facilidade de linguagem, combinação de que ele fez largo uso, mas de que são isentos seus melhores poemas, que me parecem ser os mais antigos (e os menos conhecidos).
Quanto aos outros poetas -Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari-, eles, enquanto poetas, costumam ser quase tão ignorados por simpatizantes quanto por "antipatizantes". No caso deles, as simpatias e antipatias -os "julgamentos"- são determinados por questões que não se referem à poesia, mas a opiniões sobre literatura, semiótica, música popular e muitos outros assuntos. É em suas atividades de críticos e ensaístas, secundariamente de tradutores de poesia, e não em sua condição de poetas, que eles foram integrados ao cenário intelectual brasileiro. Isso talvez seja um pouco menos verdade no caso de Augusto de Campos, mas não deixa de ser um escândalo, e é sintomático.
Mas, como me parece que as enquetes sobre as "perspectivas da poesia" trazem quase inevitavelmente embutida uma pesquisa de opinião sobre a corrida eleitoral para o posto, agora vago, de "príncipe dos poetas brasileiros", não quero de forma alguma esconder meu voto. Voto (para perder) no menos lido dos pouco lidos poetas de qualidade que o Brasil continua tendo: Décio Pignatari. Sua obra é variada, embora pequena (pequeníssima, se retirarmos dela -o que eu faria- os trabalhos não-verbais); seus grandes poemas (um bom número) são complexos, sutis, muitas vezes muito difíceis. Seus versos (poucos sabem que é em verso a maior parte de sua obra) chegam a ser de refinamento extremo, e são exigentes com os leitores. Quanto a seus textos mais estranhos -seus (poucos) poemas "concretos" e seus raros (em todos os sentidos) poemas-prosa, como "Noosfera" ou "Faneron"-, creio que sejam escassíssimos os leitores que já aprenderam como segurá-los nas mãos. Não obstante, Décio Pignatari é também autor de poesia "graciosa" -de graça erótica- e tocantemente simples, como o "Poemeu, poeminha (etc. -cito de memória) da flor", prodígio de delicadeza e malícia, com uma qualidade camoniana, que todo o mundo poderia entender, se lesse...

José Miguel Wisnik, crítico literário e compositor - Estamos sem poeta número um, e uma das doenças terminais do século é a mania da eleição do número um, acompanhada sempre pela doença da falta do número um e pela doença do ataque a qualquer eventual número um. Mas a poesia bebe na fonte do zero: do silêncio e do sem nome. Não vejo problema na falta de um sucessor dinástico de João Cabral e da grande linhagem modernista. Gosto de Augusto de Campos, de Ferreira Gullar e de Adélia Prado, de Armando Freitas Filho, Carlito Azevedo, Sebastião Uchoa Leite, Waly Salomão, Arnaldo Antunes e mais outros. Gosto da "gaia ciência" que é a extraordinária poesia cantada no Brasil.


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