São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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+ memória

PENSADOR RELEU A TRADIÇÃO FILOSÓFICA OCIDENTAL PARA CONDENAR A VISÃO EUROCÊNTRICA DO MUNDO E COMBATER TODA FORMA DE SEGREGAÇÃO

A ANISTIA DA HISTÓRIA

Evando Nascimento
especial para a Folha

Para compreender o contexto da conferência realizada por Derrida na abertura do colóquio internacional sobre sua obra -organizado pela Universidade Federal de Juiz de Fora em parceria com o Consulado Geral da França, entre 16 e 18 de agosto último, no Rio de Janeiro- é preciso lembrar que o pensador franco-argelino foi um militante fervoroso da luta contra o apartheid, quando ainda nem se vislumbrava o fim do segregacionismo na África do Sul. Como disse explicitamente em suas declarações na coletiva à imprensa e na TV brasileira, a escolha do tema do "perdão" se deveu ao desejo de contribuir para a reflexão sobre o lugar do negro no Brasil e na América Latina. Do mesmo modo, o processo da ditadura no Chile, na Argentina e em nosso país forneceu argumento a mais para abordar o assunto, um dos mais proeminentes na reflexão desconstrutora das últimas décadas. Mas essa suposta "political turn" ("virada política") de Derrida é falsa, na medida em que um ensaio como "A Farmácia de Platão" [ed. Iluminuras], cuja primeira versão é do sintomático ano de 1968, já propunha uma desconstrução das relações de poder, a partir do valor filosófico de verdade.

Espectro de Hegel
Derrida procura assim entender a problemática do perdão no teatro da história, levando em conta os nomes que estavam em cena no final do apartheid e tentando com isso explicar o processo político atual na África do Sul e no mundo: Bill Clinton, Nelson Mandela, Desmond Tutu. O espectro de Hegel também é convocado, por sua visão eurocêntrica em relação ao outro, no caso a África e os africanos.
Está em pauta nesse texto -a ser publicado em breve com as outras falas do colóquio- a memória de um governo em relação a uma parte de seu povo, que foi expropriado, aprisionado, torturado e assassinado. Em suma, o que fazer com a recordação enlutada de um passado remoto ou recente? Como lidar com os arquivos políticos, jurídicos, econômicos da colonização, da ditadura e da extorsão em sentido amplo? Lembrar ou esquecer? Reconciliar e/ou perdoar? A quem serviu a anistia que os militares se autoconcederam no Brasil, por exemplo? Ou ainda: o pagamento de indenização às vítimas ou a seus parentes redime do crime cometido? Quem está disposto a perdoar o imperdoável? Questões essencialmente aporéticas e de difícil resposta, que emergem desse denso testemunho histórico-filosófico.
Segue-se um dos trechos mais significativos da conferência de quase três horas dada por Derrida, durante as quais nosso demonstrou toda a sua lucidez reflexiva.


Evando Nascimento é pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, professor de teoria da literatura na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "Derrida e a Literatura" (Editora da Universidade Federal Fluminense).


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