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LEIA ENTREVISTA COM O CRIADOR DO TERMO "METROSSEXUAL", CONCEITO QUE DEFINE O HOMEM EXTREMAMENTE NARCISISTA
EU, EU MESMO E EU TAMBÉM
Fabian Matherath - 5.jan.2004/DDP/France Presse
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O ator Tom Cruise antes de exibição de "O Último Samurai", que estreou em SP na última sexta-feira |
da "Salon"
Em julho de 2002, Mark Simpson apresentou aos
leitores de "Salon" -e aos EUA- seu filho do
amor e do ódio, impecavelmente criado: o metrossexual. Eis sua definição daquele artigo: "O típico metrossexual é um homem jovem com dinheiro
para gastar, que vive numa metrópole ou perto dela -
porque é lá que estão as melhores lojas, boates, academias e cabeleireiros. Poderia ser oficialmente gay, hetero ou bissexual, mas isso é totalmente irrelevante, porque ele adotou a si mesmo como objeto de amor, e o
prazer como preferência sexual. Determinados trabalhos parecem atraí-lo, como modelo ou garçom, na mídia, na música pop e, hoje em dia, nos esportes, mas, para dizer a verdade, assim como muitos produtos de beleza masculinos e a herpes, ele está praticamente em toda parte".
Desde então o metrossexual se tornou ainda mais onipresente. Nesta era acelerada ele cresceu em questão de
meses e se tornou figura frequente no marketing. Milhares de artigos sobre metrossexuais apareceram em
jornais, revistas e na TV no mundo todo. Escreveram-se
livros sobre ele. Vários homens conhecidos se "revelaram" metrossexuais, incluindo o possível candidato democrata à presidência Howard Dean. A seguir, Simpson responde a algumas das muitas perguntas que lhe
fizeram no ano passado sobre o que ele chamou de seu
"Frankenstein de pele perfeita, aterrorizando e encantando o mundo".
Por que o seu termo "metrossexual", que você usou pela
primeira vez dez anos atrás, está tão na moda hoje?
Quando escrevi sobre a metrossexualidade, nos dias
sombrios de 1994, a maioria das pessoas negava esse
novo problema social. Os próprios metrossexuais
não queriam enfrentar quem realmente eram. Tinham vergonha, não de amar a si próprios, é claro,
mas do que o mundo pensaria disso. Eles temiam,
provavelmente com razão, que seus parceiros e amigos não compreendessem, não quisessem compreender. Embora a mídia na época já estivesse cheia
de homens metrossexuais, todos estavam no armário. Não havia metrossexuais abertos e ajustados,
que pudessem servir de modelo para os jovens metros isolados, debatendo-se com seu profundo desejo por perfumes e roupas íntimas.
Por isso, quando voltei ao assunto neste site no ano
passado, decidi que estava na hora de ser impiedoso
e dar nomes: destaquei vários metrossexuais importantes, entre eles David Beckham, Brad Pitt e o Homem-Aranha. Depois do choque inicial, os protestos
diminuíram e ficou claro que minha ousadia tinha
demolido tabus e, acredito, provocado um abalo sísmico nos costumes sociais. De repente, décadas de
vapor acumulado tinham sido liberadas. Agora as
pessoas conseguiam falar -interminavelmente-
sobre um assunto que antes nem podiam admitir.
Seguiu-se uma reação em cadeia, enquanto centenas
de milhares de metrossexuais de todo o mundo que
se escondiam em seus closets sentiram forças para se
revelar -ou pelo menos seus amigos e parceiros
sentiram forças para fazê-lo em nome deles. No lugar do "narcisista patológico" de tom ligeiramente
perverso do pudico século 20, lá estava o metrossexual declarado e até orgulhoso, urbano e erótico,
muito "garoto do século 21". E todo mundo o queria.
Como você inventou o termo e o que ele significava na
época?
Quando empreguei a palavra pela primeira vez, em
1994, no jornal britânico "Independent", o fiz para
descrever um tipo de masculinidade narcisista, egocêntrica e saturada de mídia. Era a versão de masculinidade produzida por Hollywood, a publicidade e
as revistas de moda para substituir a masculinidade
tradicional, reprimida, sem brilho ou umidade, que
não fazia muitas compras e pensava que bastava ganhar dinheiro para as mulheres ou namoradas gastarem. Nos anos 80, parecia que esse tipo de homem
só existia realmente na publicidade. No início dos 90,
ficou claro de maneira alarmante que a vida estava
imitando a arte ruim. Pelo menos para uma pessoa
como eu, que tinha passado tempo demais pensando nessas coisas.
O conceito evoluiu do meu livro de 1994, "Male
Impersonators" ["Imitadores de Homens"], que
analisava o efeito de um mundo cada vez mais estetizado e inautêntico sobre a masculinidade. Pensei em
"metrossexual" como uma sátira impertinente, mas
também como uma observação social séria. Acho
improvável que eu tenha sido o primeiro a pronunciar essa palavra, mas parece que fui o primeiro a publicá-la e a elaborar um conceito por trás dela. É algo
com que preciso aprender a conviver.
Existe realmente essa coisa chamada metrossexual? Ou é
apenas um nicho conveniente?
Bem, "metrossexual" é uma categoria bastante ridícula, mas talvez não mais ridícula que "heterossexual" ou "homossexual". Eu diria que é tão real
quanto essas duas outras categorias. Possivelmente
ainda mais. O metrossexual é uma espécie identificável; você pode apontar para um. Apontar para um
heterossexual ou homossexual geralmente não é tão
fácil sem segui-lo até sua casa para verificar. Talvez
seja por causa da proliferação do metrossexual.
Em sua definição original, a orientação sexual de um metrossexual é irrelevante. Mas na maior parte da cobertura na mídia e da literatura de marketing ele é descrito como hetero. Por quê?
Em parte, como eu digo, porque todos os
gays são supostamente
estilosos e bem apresentados. Isso é o que
"gay" significa, aparentemente. No entanto, descrever o metrossexual como hetero é ligeiramente tolo. Mas a publicidade sempre vende as coisas como sendo o contrário do que são. Sim, a maioria dos metrossexuais vai
para a cama com mulheres e sempre irá para a cama
com mulheres, mas não há nada de "hetero" na metrossexualidade. Ela "desvia" todos os códigos oficiais de masculinidade dos últimos cem anos: é passiva quando deveria ser sempre ativa, desejada
quando deveria estar sempre desejando, olhada
quando deveria estar sempre olhando. O fato de os
metrossexuais não serem gays ou bissexuais só torna
as coisas ainda mais bizarras. Um metrossexual hetero verifica: 1) a si mesmo, 2) outros metros -que
outra maneira de saber o que está na moda nesta estação?- e 3) as mulheres que combinam com suas
cores básicas. Não necessariamente nessa ordem,
mas também não desnecessariamente nessa ordem.
Talvez a coisa mais interessante sobre a metrossexualidade é que ela representa o início do fim da "sexualidade", a pseudociência da preferência sexual do
século 19 que dizia que a personalidade e a identidade são ditadas pelo fato de os órgãos genitais de seu
parceiro terem ou não a mesma forma dos seus. Em
uma era pós-industrial e hiperconsumista como a
nossa, não se permite que a identidade e a personalidade sejam inerentes -isso levaria à falência a
maioria das agências de publicidade. Em vez disso,
elas se baseiam em opções de estilo de vida, padrões
de consumo, marcas, círculos sociais. Como exemplo, existem revistas de estilo de vida para casais do
mesmo sexo e de sexo trocado. O amor -e também
a reprodução- é um estilo de vida. A orientação sexual dos metrossexuais é obviamente importante
para eles e seus parceiros, mas sua identidade não se
baseia nisso e, de um ponto de vista cultural-comercial, é quase irrelevante.
Quem personifica melhor o metrossexual, além de David
Beckham?
Tom Cruise. Hoje ele tem mais de 40 anos, mas usa
toda a tecnologia da beleza e da moda para continuar sendo um garoto de pele macia e desejável, com
um sorriso maroto. Ele ainda é o Maverick do filme
definitivo dos anos 80, "Ases Indomáveis". Na verdade, ainda é o adolescente sem calças pulando sobre o sofá em "Negócio Arriscado". Portanto os filmes "Missão Impossível" são na verdade sobre sua
busca impossível para continuar eternamente jovem
e desejável -e o objeto sexual de seus próprios filmes. Essa é a narrativa que todos os metrossexuais
estão destinados a encenar, embora a maioria com
muito menos ajuda dos maquiadores, filtros e truques de Hollywood. A metrossexualidade está a apenas um fio de cabelo do gato-por-lebre. Vi que, em
seu último filme, Tom finalmente deixou a barba
crescer, mas aposto com você que ela está cheia de
produtos capilares. Assim como o metrossexual,
não há "mistério" sobre a preferência sexual dele
-sua carreira de enorme sucesso no cinema é um
testamento de seu apaixonado romance com... Tom.
A metrossexualidade é um produto da Geração X? Isto é,
na falta de heróis, um homem se vira para dentro e passa
a adorar a si mesmo?
É mais uma questão de não ter um pai. Os metrossexuais são todos "bastardos", na medida em que querem ser sua própria criação, embora talvez acabem
sendo o produto da cultura corporativa. Eles têm heróis, mas geralmente apenas estéticos. Homens famosos por seu visual e seu estilo, mais que, digamos,
suas conquistas políticas ou militares. Eles admiram
heróis esportivos, mas geralmente apenas aqueles
com o melhor perfil (na mídia) e contratos de patrocínio de produtos.
Qual a diferença entre um metrossexual e um yuppie?
Um metrossexual jamais usaria enchimento nos
ombros. Ele vestiria uma camisa sem mangas para
mostrar seus deltóides deliciosamente desenvolvidos e tatuagens elaboradas. De todo modo, os yuppies hoje são uma categoria defunta e insignificante,
porque desde os anos 80 qualquer pessoa no mundo
ocidental tornou-se ou quer ser yuppie. Com exceção de alguns manifestantes anticapitalistas com
gorro de esquiar.
Então, realmente, qual é a diferença entre um metrossexual e um homossexual?
Os metrossexuais se vestem melhor. Os homossexuais são muito "ano passado".
Os metrossexuais são realmente um fenômeno moderno? E os dândis?
Um metrossexual não seria apanhado de peruca empoada -embora pudesse ser tentado pelas meias e
os sapatos de fivela. Desculpe ser pedante, mas os
dândis foram um fenômeno do século 18. Os metrossexuais pertencem ao século 21. O dandismo era
o objetivo de uma elite, principalmente aristocrática,
ou um grupo de homens que queriam ser aristocratas, e foi sobretudo uma maneira de manifestar sua
riqueza, seu ócio e seu gosto refinado. A metrossexualidade é uma corrente dominante, um fenômeno
de consumo de massa que envolve a total mercantilização do corpo masculino. Ela usa Hollywood, a publicidade, os esportes e as revistas de moda como galeria inspiradora, em vez do alto classicismo. O metrossexual deseja ser desejado. O dândi queria ser
admirado. Ou pelo menos ser alvo de fofocas.
Além disso, existem continuidades. Oscar Wilde,
provavelmente o mais famoso e mais populista dândi do século 19, teria compreendido a metrossexualidade e talvez até a tivesse aprovado -certa vez ele
declarou: "Amar a si mesmo é o início de um romance que dura toda a vida". Embora ele nunca tenha
conseguido alcançar pessoalmente seus padrões
atléticos exigentes. Foi o julgamento e a prisão de
Wilde por "flagrante indecência", no final do século
19, que popularizou o homossexual: a palavra foi cunhada em 1860 -e, assim como "metrossexual", é
uma conjugação proibida e infeliz de grego e latim.
Ela também simbolizou o triunfo da idéia da era industrial de que a sensualidade, o estetismo e o narcisismo masculinos eram patológicos, pervertidos e
criminosos -pelo menos quando praticados da
maneira correta. Foi o conceito decisivamente classe-média de "sexualidade" que matou o dândi. Hoje,
apropriadamente, o metrossexual está matando a
sexualidade.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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