São Paulo, Domingo, 18 de Abril de 1999
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PONTO DE FUGA

Musa Mouse Museu

JORGE COLI
em Nova York

Quando Marcel Duchamp apresentou, em 1913, seu "ready made" "Roda de Bicicleta", jogava com o poder mágico das instituições culturais, capaz de conferir um estatuto artístico a qualquer objeto. Galerias e museus empregam convenções para definir o que é arte. Duchamp, forçando esses limites, extraiu as coisas mais banais de seu quotidiano para projetá-las num campo sacralizado. Elas passaram a adquirir uma aura de estranheza, revelando suas energias sugestivas, mas, ao mesmo tempo, denunciaram o arbitrário daqueles critérios. Tais exercícios foram levados a extremos pela pop art: Claes Oldenburg inventou um "Mouse Museum", pequeno edifício cuja planta lembra as orelhas de Mickey. Lá dentro, as vitrinas mostram quantidade de objetos kitsch, como falsos sorvetes, salsichas em plástico e horrendos brinquedinhos.
A atual exposição do MoMA, "The Museum as Muse" (O Museu como Musa), busca relações entre os artistas e os museus. Duchamp e o Oldenburg estão lá, assim como Hubert Robert, pintor visionário que, no final do século 18, imaginava o Louvre em ruínas. A mostra é rica, mas confusa e pouco reflexiva. Sem interrogações, em crise de narcisismo, o museu celebra-se a si próprio como lugar de inspiração e de cultura. "Todo domingo, a multidão flui como sangue dentro do museu, para emergir purificada e renovada", ironizava Bataille. Essa frase, em epígrafe no catálogo, foi levada muito a sério pelos curadores.

LUXO - O real parece estar em baixa no cinema americano. Aquilo que percebemos à nossa volta existe mesmo? Do "Truman Show - O Show da Vida" ao excelente "Cidade das Sombras", de Alex Proyas, alguns filmes andam reiterando essa questão "pós-moderna". O novo e milionário "The Matrix", dos irmãos Wachowsky, é uma apoteose de efeitos especiais para mostrar o mundo como uma virtualidade cibernética. Alterna cenas mirabolantes com diálogos sentenciosos, numa mistura de filosofia "kung-fu" barata e caríssima "sci-fi" de Hollywood.
Há ainda um messianismo cristão, encarnado por Keanu Reeves: Jesus-Branca-de-Neve, ele ressuscita pelo beijo da amada, cujo nome é Trinity! Ninguém consegue acreditar em nada do que está ocorrendo, a platéia dá olés nas cenas de luta e gargalhadas nas mensagens "profundas". Os truques impressionam, o impacto sonoro, que não se ouvirá no Brasil porque não há salas equipadas para tanto, faz tremer as paredes. Emerge, às vezes, uma pulsão criadora não inteiramente afogada pela técnica e pelo orçamento extravagante. Com menos dinheiro, sem descontrole, o filme talvez encontrasse sua força.

CAST - Ao descobrir que não era uma estátua, mas sim a verdadeira Hermione viva, o silêncio comovente e denso deixou o público em suspense. Os alunos da "Juilliard Drama Division", setor da notável escola de artes, cuja seleção é muito severa, apresentavam-se em "O Conto de Inverno", de Shakespeare. Uma espontaneidade tão jovem, associada a um talento impressionante e estimulada pelo total domínio cênico: a cada instante, a poesia das frases fluía como se fosse pela primeira vez.

FECHADURA - A mão de Grace Kelly se estende tanto que é quase possível agarrá-la antes que ela tome a tesoura. "Disque M para Matar" foi feito em 3D, mas é raramente apresentado assim. Nessa versão (cópia nova, em cinemas de Nova York), transforma-se numa alucinação esquizofrênica. Hitchcock não abre o espaço para efeitos espetaculares. Ao contrário, confina os personagens entre móveis e objetos e nos põe lá dentro, como voyeurs escondidos por trás dos óculos, a espreitá-los perversamente.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com




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