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PONTO DE FUGA
Musa Mouse Museu
JORGE COLI
em Nova York
Quando Marcel Duchamp
apresentou, em 1913, seu
"ready made" "Roda de Bicicleta", jogava com o poder
mágico das instituições culturais, capaz de conferir um estatuto artístico a qualquer objeto. Galerias e museus empregam convenções para definir o
que é arte. Duchamp, forçando
esses limites, extraiu as coisas
mais banais de seu quotidiano
para projetá-las num campo
sacralizado. Elas passaram a
adquirir uma aura de estranheza, revelando suas energias sugestivas, mas, ao mesmo tempo, denunciaram o arbitrário
daqueles critérios. Tais exercícios foram levados a extremos
pela pop art: Claes Oldenburg
inventou um "Mouse Museum", pequeno edifício cuja
planta lembra as orelhas de
Mickey. Lá dentro, as vitrinas
mostram quantidade de objetos kitsch, como falsos sorvetes, salsichas em plástico e horrendos brinquedinhos.
A atual exposição do MoMA,
"The Museum as Muse" (O
Museu como Musa), busca relações entre os artistas e os museus. Duchamp e o Oldenburg
estão lá, assim como Hubert
Robert, pintor visionário que,
no final do século 18, imaginava o Louvre em ruínas. A mostra é rica, mas confusa e pouco
reflexiva. Sem interrogações,
em crise de narcisismo, o museu celebra-se a si próprio como lugar de inspiração e de
cultura. "Todo domingo, a
multidão flui como sangue
dentro do museu, para emergir
purificada e renovada", ironizava Bataille. Essa frase, em
epígrafe no catálogo, foi levada
muito a sério pelos curadores.
LUXO - O real parece estar
em baixa no cinema americano. Aquilo que percebemos à
nossa volta existe mesmo? Do
"Truman Show - O Show da
Vida" ao excelente "Cidade
das Sombras", de Alex Proyas,
alguns filmes andam reiterando essa questão "pós-moderna". O novo e milionário
"The Matrix", dos irmãos
Wachowsky, é uma apoteose
de efeitos especiais para mostrar o mundo como uma virtualidade cibernética. Alterna
cenas mirabolantes com diálogos sentenciosos, numa mistura de filosofia "kung-fu" barata e caríssima "sci-fi" de
Hollywood.
Há ainda um messianismo
cristão, encarnado por Keanu
Reeves: Jesus-Branca-de-Neve,
ele ressuscita pelo beijo da
amada, cujo nome é Trinity!
Ninguém consegue acreditar
em nada do que está ocorrendo, a platéia dá olés nas cenas
de luta e gargalhadas nas mensagens "profundas". Os truques impressionam, o impacto
sonoro, que não se ouvirá no
Brasil porque não há salas
equipadas para tanto, faz tremer as paredes. Emerge, às vezes, uma pulsão criadora não
inteiramente afogada pela técnica e pelo orçamento extravagante. Com menos dinheiro,
sem descontrole, o filme talvez
encontrasse sua força.
CAST - Ao descobrir que não
era uma estátua, mas sim a verdadeira Hermione viva, o silêncio comovente e denso deixou o público em suspense. Os
alunos da "Juilliard Drama
Division", setor da notável escola de artes, cuja seleção é
muito severa, apresentavam-se
em "O Conto de Inverno", de
Shakespeare. Uma espontaneidade tão jovem, associada a
um talento impressionante e
estimulada pelo total domínio
cênico: a cada instante, a poesia das frases fluía como se fosse pela primeira vez.
FECHADURA - A mão de Grace Kelly se estende tanto que é quase possível agarrá-la antes que ela tome a tesoura. "Disque M para Matar" foi feito em 3D, mas é raramente apresentado assim. Nessa versão (cópia nova, em cinemas de Nova York), transforma-se numa alucinação esquizofrênica. Hitchcock não abre o espaço para efeitos espetaculares. Ao contrário, confina os personagens entre móveis e objetos e nos põe lá dentro, como voyeurs escondidos por trás dos óculos, a espreitá-los perversamente.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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