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Weberianismo festivo
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
O nome de Max Weber (1864-1920) sempre foi citado com temor e reverência. A esses sentimentos, que uma das obras sociológicas mais influentes, eruditas e
complexas deste século não poderia deixar de inspirar, tem-se
acrescentado ultimamente uma
nota frívola, ouvida com insistência entre nós, que faz da questão
weberiana da "ética da responsabilidade" uma senha para o conformismo, o descompromisso e a
adesão.
Pode ser útil, dado o clima de
"weberianismo festivo" atualmente em vigor, um livro que sublinha, já a partir do título, o tema
da "tragédia" no pensamento do
autor alemão. Não está aí, contudo, a novidade do estudo de John
Diggins. A idéia de que os valores
estão necessariamente em conflito, de que a História é uma espécie
de cemitério das intenções humanas, avessa a chaves explicativas
gerais e a desfechos benevolentes,
é fartamente identificada como
uma das principais características
do pensamento weberiano.
Há mesmo certa histeria diante
de um pensamento tão atento ao
inconciliável, tão emaranhado em
autocorreções, ressalvas e angústias -como se fosse necessário, a
todo custo, extrair lições de moral
a cada página do autor. Quanto
mais Weber se recusa a essa missão pedagógica, mais parece a
ponto de cumpri-la; sua mistura
de ascetismo e virilidade, de vigor
prussiano e auto-exame calvinista, talvez atenda no fundo a carências bastante recalcadas na mentalidade do leitor contemporâneo.
Muito frêmito em torno do weberianismo "trágico" será, assim,
tão suspeito quanto a tropicalização inconsequente a que nos referíamos de início. O livro de Diggins insiste no assunto, mas sua
originalidade é provavelmente
outra, e de interesse bastante duvidoso para o leitor brasileiro.
Trata-se de relacionar Weber
com o pensamento norte-americano; de traçar possíveis linhas de
diálogo entre Weber e Dewey,
Weber e Santayana, Weber e
Woodrow Wilson, Weber e Lincoln, e mesmo Weber e Herman
Melville. Cito um trecho especialmente fraco: "Assim como Melville, Weber tranquilamente compreendeu que o universo permanece vazio e branco como a baleia,
até que projetemos nele nossas
próprias necessidades, conceitos
e valores".
Esse paralelo, bastante manquitolante, não prossegue por muito
tempo. Diggins simpatiza com
Weber, em todo caso, pelo que
possa encontrar de pessimismo
com relação ao mundo moderno
e de críticas à burocratização
-que Diggins, com nítido afobamento, aplica ao Welfare State e
às políticas de proteção às minorias.
A contracapa traz exemplos da
recepção crítica desse livro na imprensa americana -"um soberbo estudo biográfico", diz o "Philadelphia Inquirer". Há trechos,
principalmente nos capítulos iniciais, que correspondem a essa
descrição. Diggins narra a viagem
de Weber aos Estados Unidos, depois da doença nervosa que o acabrunhou durante sete anos; fala
do seu envolvimento amoroso
com Else Jaffé e da dramática recusa de Weber a receber o próprio
pai, quando este foi visitá-lo sem
convite em Heidelberg.
O intuito biográfico, que sem
dúvida ilumina as angústias e irresoluções de Weber, é contudo
intermitente. Quanto ao que se
costuma chamar de "perfil intelectual", a tarefa de traçá-lo é particularmente espinhosa no caso
de Weber.
O detalhado resumo de suas
obras, apresentado sob esse título
por Reinhard Bendix na década
de 60 (há tradução pela editora da
UnB), é muito informativo, mas
não deixa de revelar, a meu ver,
que a intenção de fazer de Weber
um guia para nosso tempo tende
a frustrar-se diante do que, em
seu pensamento, é tanto força
quanto fraqueza: a recusa ao unívoco, a constante relativização
das próprias teses pela interferência do pormenor historiográfico,
a convicção da casualidade juntamente com uma ansiedade pelo
que possa haver de providencial e
épico na história humana.
Da angústia pessoal e teórica
para o "espírito da tragédia" talvez haja um hiato, contudo, que
Diggins procura transpor de forma não muito convincente.
A OBRA
Max Weber - A Política e o Espírito da Tragédia - John
Patrick Diggins. Trad. Liszt Vieira e Marcus Lessa. Record. (r. Argentina, 171, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/ xx/21/585-2000). 375 págs. R$ 38,00.
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