São Paulo, Domingo, 18 de Julho de 1999
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Weberianismo festivo

MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas

O nome de Max Weber (1864-1920) sempre foi citado com temor e reverência. A esses sentimentos, que uma das obras sociológicas mais influentes, eruditas e complexas deste século não poderia deixar de inspirar, tem-se acrescentado ultimamente uma nota frívola, ouvida com insistência entre nós, que faz da questão weberiana da "ética da responsabilidade" uma senha para o conformismo, o descompromisso e a adesão.
Pode ser útil, dado o clima de "weberianismo festivo" atualmente em vigor, um livro que sublinha, já a partir do título, o tema da "tragédia" no pensamento do autor alemão. Não está aí, contudo, a novidade do estudo de John Diggins. A idéia de que os valores estão necessariamente em conflito, de que a História é uma espécie de cemitério das intenções humanas, avessa a chaves explicativas gerais e a desfechos benevolentes, é fartamente identificada como uma das principais características do pensamento weberiano.
Há mesmo certa histeria diante de um pensamento tão atento ao inconciliável, tão emaranhado em autocorreções, ressalvas e angústias -como se fosse necessário, a todo custo, extrair lições de moral a cada página do autor. Quanto mais Weber se recusa a essa missão pedagógica, mais parece a ponto de cumpri-la; sua mistura de ascetismo e virilidade, de vigor prussiano e auto-exame calvinista, talvez atenda no fundo a carências bastante recalcadas na mentalidade do leitor contemporâneo.
Muito frêmito em torno do weberianismo "trágico" será, assim, tão suspeito quanto a tropicalização inconsequente a que nos referíamos de início. O livro de Diggins insiste no assunto, mas sua originalidade é provavelmente outra, e de interesse bastante duvidoso para o leitor brasileiro.
Trata-se de relacionar Weber com o pensamento norte-americano; de traçar possíveis linhas de diálogo entre Weber e Dewey, Weber e Santayana, Weber e Woodrow Wilson, Weber e Lincoln, e mesmo Weber e Herman Melville. Cito um trecho especialmente fraco: "Assim como Melville, Weber tranquilamente compreendeu que o universo permanece vazio e branco como a baleia, até que projetemos nele nossas próprias necessidades, conceitos e valores".
Esse paralelo, bastante manquitolante, não prossegue por muito tempo. Diggins simpatiza com Weber, em todo caso, pelo que possa encontrar de pessimismo com relação ao mundo moderno e de críticas à burocratização -que Diggins, com nítido afobamento, aplica ao Welfare State e às políticas de proteção às minorias.
A contracapa traz exemplos da recepção crítica desse livro na imprensa americana -"um soberbo estudo biográfico", diz o "Philadelphia Inquirer". Há trechos, principalmente nos capítulos iniciais, que correspondem a essa descrição. Diggins narra a viagem de Weber aos Estados Unidos, depois da doença nervosa que o acabrunhou durante sete anos; fala do seu envolvimento amoroso com Else Jaffé e da dramática recusa de Weber a receber o próprio pai, quando este foi visitá-lo sem convite em Heidelberg.
O intuito biográfico, que sem dúvida ilumina as angústias e irresoluções de Weber, é contudo intermitente. Quanto ao que se costuma chamar de "perfil intelectual", a tarefa de traçá-lo é particularmente espinhosa no caso de Weber.
O detalhado resumo de suas obras, apresentado sob esse título por Reinhard Bendix na década de 60 (há tradução pela editora da UnB), é muito informativo, mas não deixa de revelar, a meu ver, que a intenção de fazer de Weber um guia para nosso tempo tende a frustrar-se diante do que, em seu pensamento, é tanto força quanto fraqueza: a recusa ao unívoco, a constante relativização das próprias teses pela interferência do pormenor historiográfico, a convicção da casualidade juntamente com uma ansiedade pelo que possa haver de providencial e épico na história humana.
Da angústia pessoal e teórica para o "espírito da tragédia" talvez haja um hiato, contudo, que Diggins procura transpor de forma não muito convincente.



A OBRA
Max Weber - A Política e o Espírito da Tragédia - John Patrick Diggins. Trad. Liszt Vieira e Marcus Lessa. Record. (r. Argentina, 171, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/ xx/21/585-2000). 375 págs. R$ 38,00.




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