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PONTO DE FUGA
Hilda Hilst
JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York
Massao Ohno publica uma
antologia de poemas amorosos de Hilda Hilst. Ela mesma
fez as escolhas. O título é "Do
Amor". Quem nunca leu nada
de sua obra talvez devesse começar por aqui. Não retraça
apenas o sobrevôo de uma escrita poética por sobre quase
40 anos, de 1959 a 1995. É também um livro que toma o leitor
de vez, desde a primeira página, desde o primeiro verso, pela força lírica, e insinua, pouco
a pouco, contradições simultâneas, desajustes e medos, júbilos e melancolias. O amor, na
poesia de Hilda Hilst, surge como uma força complicada, latejante, impossível de ser atingida em seu todo, incompreensível de fato. Cresce além dos
impulsos sentimentais e conduz à fraternidade com um
mundo no qual natureza e afetos se fundem, tigres e águas,
num fluxo, são muito mais que
metáforas ou imagens.
A intensidade efêmera do
gozo, a visão de alguém desaparecendo por trás dos dias, a
fragilidade do corpo desgastado, oferecem à transcendência
amorosa um irmão feroz: o
tempo. Nessa longa trajetória
de poesia, o tempo suscita o
amor, para destruí-lo e refazê-lo: "As maçãs ao relento. Duas.
E o viscoso /Do tempo sobre a
boca e a hora". São combates
tensos entre o eterno, o imóvel,
o instante. Os que não conhecem os escritos de Hilda Hilst,
que procurem sem tardar "Do
Amor".
Por várias razões, que se resumem nesta, definitiva: é uma
perda triste ignorar um dos
grandes poetas contemporâneos de nossa língua.
Malaise - Na TV americana,
uma propaganda propõe que
os pais submetam seus filhos
adolescentes a um detector de
mentiras, por preços módicos.
Método grotesco, mas que encerra um sintoma. A geração
dos desajustados, à moda de
James Dean, e a dos revoltados
de 1968 tinham algo em comum: expunham, publicamente, por atitudes ou proclamações, seus conflitos com a
sociedade. Os jovens do ano
2000, ao contrário, isolam-se
com fones de ouvido ou diante
dos computadores e acreditam
num comportamento dissimulado. Como atores, representam diante dos pais ou na
escola, um mínimo, para serem deixados em paz. Formam
fraternidades cúmplices e silenciosas. Desistiram de contrariar o resto do mundo, sentido como hipócrita e falso. A
presença da droga, real, mas
pretensamente condenada, reforça a dissimulação e acentua
a hipocrisia; afinal, o presidente tragou ou não? O massacre
do Colorado deixou as famílias
perplexas, pois os autores
eram, em aparência, bons garotos. Mas, por um outro viés,
já que estes nossos tempos merecem tal dissimulação, quem
sabe estes jovens de agora, desacorçoados com as imposturas de hoje, consigam criar um
futuro feito de relações mais
verdadeiras.
Fuck - "South Park" é um desenho animado de longa metragem, proibido para menores desacompanhados. Lembra Charlie Brown, mas o bandinho de crianças é impossível:
fala palavrões e faz brincadeiras com puns. As mães reprimem, um chip implantado dá
choques a cada palavra suja, os
EUA entram em guerra e Satanás intervém como um gênio
bom. Maluquice libertária contra um puritanismo idiota, parodiando às vezes os musicais
adocicados de Disney, ela deixa feliz a garotada cujos pais tiveram o bom senso de conduzir ao cinema.
Safra - "American Pie" é
"Porky's" no ano 2000: moralista, romântico e, no mais
das vezes, sem graça. Mas
traz um grupo ótimo de jovens atores, muito diversos.
Chris Klein, revelado em
"Election", é o esportista sentimental; Thomas Ian Nicholas, o tipo honesto; Eddie Kaye Thomas, colegial requintado que termina traçando a
mãe de um colega meio mau-caráter, é o melhor, sutil mesmo nas réplicas mais debilóides.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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