São Paulo, Domingo, 18 de Julho de 1999
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PONTO DE FUGA

Hilda Hilst

JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York

Massao Ohno publica uma antologia de poemas amorosos de Hilda Hilst. Ela mesma fez as escolhas. O título é "Do Amor". Quem nunca leu nada de sua obra talvez devesse começar por aqui. Não retraça apenas o sobrevôo de uma escrita poética por sobre quase 40 anos, de 1959 a 1995. É também um livro que toma o leitor de vez, desde a primeira página, desde o primeiro verso, pela força lírica, e insinua, pouco a pouco, contradições simultâneas, desajustes e medos, júbilos e melancolias. O amor, na poesia de Hilda Hilst, surge como uma força complicada, latejante, impossível de ser atingida em seu todo, incompreensível de fato. Cresce além dos impulsos sentimentais e conduz à fraternidade com um mundo no qual natureza e afetos se fundem, tigres e águas, num fluxo, são muito mais que metáforas ou imagens.
A intensidade efêmera do gozo, a visão de alguém desaparecendo por trás dos dias, a fragilidade do corpo desgastado, oferecem à transcendência amorosa um irmão feroz: o tempo. Nessa longa trajetória de poesia, o tempo suscita o amor, para destruí-lo e refazê-lo: "As maçãs ao relento. Duas. E o viscoso /Do tempo sobre a boca e a hora". São combates tensos entre o eterno, o imóvel, o instante. Os que não conhecem os escritos de Hilda Hilst, que procurem sem tardar "Do Amor".
Por várias razões, que se resumem nesta, definitiva: é uma perda triste ignorar um dos grandes poetas contemporâneos de nossa língua.

Malaise - Na TV americana, uma propaganda propõe que os pais submetam seus filhos adolescentes a um detector de mentiras, por preços módicos. Método grotesco, mas que encerra um sintoma. A geração dos desajustados, à moda de James Dean, e a dos revoltados de 1968 tinham algo em comum: expunham, publicamente, por atitudes ou proclamações, seus conflitos com a sociedade. Os jovens do ano 2000, ao contrário, isolam-se com fones de ouvido ou diante dos computadores e acreditam num comportamento dissimulado. Como atores, representam diante dos pais ou na escola, um mínimo, para serem deixados em paz. Formam fraternidades cúmplices e silenciosas. Desistiram de contrariar o resto do mundo, sentido como hipócrita e falso. A presença da droga, real, mas pretensamente condenada, reforça a dissimulação e acentua a hipocrisia; afinal, o presidente tragou ou não? O massacre do Colorado deixou as famílias perplexas, pois os autores eram, em aparência, bons garotos. Mas, por um outro viés, já que estes nossos tempos merecem tal dissimulação, quem sabe estes jovens de agora, desacorçoados com as imposturas de hoje, consigam criar um futuro feito de relações mais verdadeiras.

Fuck - "South Park" é um desenho animado de longa metragem, proibido para menores desacompanhados. Lembra Charlie Brown, mas o bandinho de crianças é impossível: fala palavrões e faz brincadeiras com puns. As mães reprimem, um chip implantado dá choques a cada palavra suja, os EUA entram em guerra e Satanás intervém como um gênio bom. Maluquice libertária contra um puritanismo idiota, parodiando às vezes os musicais adocicados de Disney, ela deixa feliz a garotada cujos pais tiveram o bom senso de conduzir ao cinema.

Safra - "American Pie" é "Porky's" no ano 2000: moralista, romântico e, no mais das vezes, sem graça. Mas traz um grupo ótimo de jovens atores, muito diversos. Chris Klein, revelado em "Election", é o esportista sentimental; Thomas Ian Nicholas, o tipo honesto; Eddie Kaye Thomas, colegial requintado que termina traçando a mãe de um colega meio mau-caráter, é o melhor, sutil mesmo nas réplicas mais debilóides.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com




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