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Em "Rubicão", dirigido a um público não-especializado, o britânico Tom Holland critica as potências
militares de hoje ao explicar como a Roma Antiga, para se pacificar, foi obrigada a abrir mão da liberdade
O preço do império
PEDRO PAULO A. FUNARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em tempos da série "Roma",
da HBO, e de tantos filmes sobre o mundo antigo, fica claro
o interesse, renovado e crescente, na Antigüidade. Houve quem
previsse o fim do interesse pelo passado, o fim da própria história, mas
tais previsões se mostraram, como
tantas outras vezes, enganosas.
Não só a história continuou como
o mundo antigo nunca esteve tão
presente e relevante em nosso cotidiano. Um dos formuladores da política externa americana é o helenista
Victor Davis Hanson, assessor do secretário de Defesa americano Donald Rumsfeld e autor de diversos
best-sellers sobre o modo ocidental
de guerrear.
O Brasil, em particular, nunca teve
tantos livros publicados sobre a Antigüidade, inúmeras são as traduções e muitos os livros de pesquisadores brasileiros. As revistas mensais dedicadas à história vendem como água nas bancas e a Antigüidade
figura com proeminente destaque.
Tom Holland é um autor britânico, ficcionista de talento, com muitos best-sellers em sua algibeira.
Erudito e bem versado na literatura
antiga, assim como nas discussões
historiográficas, Holland aceita a
missão, sempre difícil, de contar para um público leigo a história da Roma Antiga. As dificuldades estão na
necessidade de contar os meandros
da história política de uma época
distante mas também aparecem na
resolução do dilema de mostrar que
os antigos eram diferentes de nós,
mas que podemos compreendê-los.
Para resolver esse desafio, Holland
recorre a um estilo leve e agradável e
à certeza de que a trama do final da
República romana encanta, mais do
que nunca, os leitores.
O livro trata de um tema: a liberdade. Iniciada com a derrubada dos
reis de Roma, no fim do século 6º
a.C., a República é caracterizada como o predomínio da liberdade no
trato da coisa pública.
A crise da República, a partir das
lutas civis nas décadas de 130 e 120
a.C., com os irmãos Tibério e Caio
Graco, é tratada como uma sucessão
de contraposições entre os líderes
militares, em detrimento das antigas
liberdades públicas. Ressalta, por essa razão, os líderes que limitaram os
direitos e impuseram seu jugo à sociedade, com destaque para o poder
discricionário de Sula, na década de
80 a.C., mas pinta, também, belos retratos de Pompeu, Cícero, Catão, Júlio César, Marco Antônio e, por fim,
Otávio, que põe fim à República livre, em 27 a.C.
O grande herói, como não poderia
deixar de ser, é Cícero, em sua luta,
quase solitária para salvar as liberdades republicanas. Nesse percurso,
outros grandes episódios tratados
são a revolta dos escravos, liderada
por Espártaco (década de 70 a.C.), a
luta de Pompeu contra os piratas
(década de 60 a.C.), a conquista da
Gália por Júlio César (década de 50
a.C.), a relação de Cleópatra com César e, depois, com Marco Antônio.
O Rubicão do título do livro era o
rio, no norte da Itália, que César cruzou, ilegalmente, em 49 a.C., para
conquistar Roma e pôr fim à República livre, nas palavras de Holland.
O relato do passado, para ser aproximado do leitor, não pode deixar de
usar idéias, conceitos e mesmo sentimentos que os leitores conheçam.
Aproximar realidades históricas e
culturais diversas é sempre um desafio. Holland usa e abusa do vocabulário de jornais para tratar de Roma.
Favelados e turistas
Menciona os "favelados", os "mártires" pela liberdade, os "turistas"
que visitam a cidade de Roma, a "luta contra o terrorismo" e os "esquadrões da morte", as "guerras-relâmpago", a "missão civilizatória" romana, a "globalização" do mundo
romano e, até mesmo, "garrafas" de
vinho e "férias" de César e Cleópatra! Augusto tornou-se um "superstar"! Claro, nada disso compromete
a narrativa, mas causa certa estranheza no leitor, pois Tom Holland
procura, em sentido contrário, mostrar, em diversas passagens, como os
romanos eram diferentes de nós, como tinham tradições e costumes
próprios.
A mensagem geral, no entanto, se
volta para o público ocidental e, em
particular, para os leitores anglo-americanos, como uma espécie de
advertência: o principal valor de
nossa civilização, assim como era
para os romanos da República, é a liberdade. O preço de um império
imenso, pacificado, foi a perda da liberdade. Como dizia o historiador
romano Tácito, era a paz dos cemitérios. Holland, assim, alerta que as
aventuras do modo ocidental da
guerra, tão querido por Davis Hanson e Rumsfeld, podem levar à perda
do bem mais precioso: a liberdade.
Os prisioneiros de Guantánamo,
as escutas telefônicas e o controle
dos e-mails, tudo em nome da guerra ao terrorismo, aparecem, de forma sutil, por detrás das descrições
da luta dos romanos.
A tradução apresenta uma série de
probleminhas que devem ser corrigidos na reimpressão, como palavras com gênero trocado e nomes
próprios que se tornam até mesmo
engraçados como Aventina (para o
Aventino). No final das contas, "Rubicão" constitui leitura não só agradável como faz pensar, maior mérito
de uma obra de divulgação.
Pedro Paulo A. Funari é professor titular
de história antiga da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp).
Rubicão
448 págs., R$ 52,90
de Tom Holland. Trad. Maria Alice Máximo.
Ed. Record (r. Argentina, 171, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/xx/21/ 2585-2000).
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