São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

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ODE AO PATRIARCA

EXPOENTE DA TERCEIRA GERAÇÃO FEMINISTA, A AMERICANA NAOMI WOLF FAZ ELOGIO AO PAI EM NOVO LIVRO

MELISSA McCLEMENTS

Ultrajada e estridente, a feminista norte-americana Naomi Wolf irrompeu na atenção da mídia internacional em 1991, com a publicação de "O Mito da Beleza", em que denunciava a exploração, feita pelas indústrias de beleza e moda, da preocupação das mulheres com sua própria aparência.
Ironicamente, foi sua própria beleza que ajudou a elevar Wolf à fama. Com seu rosto belo e longa cabeleira, ela desafiou o estereótipo das feministas e se tornou a porta-voz da chamada "terceira fase" do feminismo, que procurou popularizar o movimento feminista e defendeu que as mulheres podiam e deviam ter tudo: carreira profissional, relacionamentos e família.
No entanto, depois de passar anos argumentando em prosa emotiva contra a opressão das mulheres pela sociedade patriarcal, o livro mais recente da autora -"The Treehouse -Eccentric Wisdom from My Father on How to Live, Love, and See [A Casa na Árvore - Sabedoria Excêntrica do Meu Pai Sobre como Viver, Amar e Ver. Simon & Schuster, 288 págs., US$ 24, R$ 52]- é um elogio abertamente sentimental a seu próprio patriarca -seu pai, Leonard Wolf.
O livro descreve como ele transmitiu à filha uma série de lições sobre a vida, o amor e a arte, enquanto a ajudou a construir uma casa em uma árvore para a filha da escritora, Rosa, em sua casa de campo no interior de Nova York.

Todos são artistas
Enquanto pai e filha martelam pregos e pintam a madeira, Naomi Wolf vai pouco a pouco compreendendo e aderindo à visão de mundo de seu pai, contra a qual se rebelara anteriormente, e decide tentar viver segundo seus princípios. Parece que, no momento em que ingressa na meia-idade, a polemista feminista começa a pensar que papai tinha razão, afinal de contas.
Por estranho que possa parecer "A Casa na Árvore" é um livro cativante e memorável. Poeta e idealista excêntrico, Leonard é extremamente sedutor, e suas idéias, também. Ele acredita que, no fundo, todas as pessoas são artistas e que a criatividade pessoal é o segredo da felicidade. Não que pense que todo mundo seja um Van Gogh ou um Beethoven que ainda não se tenha se descoberto.
Para ele, a criatividade pode se manifestar na jardinagem, na cozinha, quando se contam anedotas divertidas a amigos ou mesmo quando se monta um pequeno negócio. O segredo consiste em "identificar o que seu coração deseja" e depois seguir seu sonho da maneira mais criativa possível.
Tudo isso poderia ser piegas demais, mas a presença de Leonard, com suas idiossincrasias, suas manias e imperfeições, salva o livro de ser uma versão pseudo-intelectual de um manual caseiro de auto-ajuda. Quer esteja vestido de pastor basco ou pescador grego, bebendo absinto ou discursando sobre a importância de comprar um perfume caro para sua mulher, ele é uma figura colorida, exuberante e divertida.
Judeu ortodoxo de nascimento, Leonard Wolf passou sua primeira infância na Romênia, até mudar-se com sua família para Nova York no final dos anos 1920.

Humanismo otimista
Tendo sofrido a pobreza e o isolamento típicos de imigrantes, agravados pela Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, Leonard enxergava a poesia como maneira de viver em mundos que ultrapassavam o mundo real.
Envolvido no movimento beat na Califórnia nos anos 1950 e no hedonismo hippie da década de 1960, ele nunca abandonou sua forma própria de humanismo otimista.
Além de ser uma biografia de Leonard e um tratado sobre suas idéias, "A Casa na Árvore" contém informações autobiográficas sobre a vida de Naomi Wolf. Entretanto, diferentemente de sua voz escrita anterior, afirmativa e senhora de si, a Naomi Wolf deste livro questiona constantemente seu próprio comportamento e retidão.
Isso pode ou não ser uma clássica crise da meia-idade, mas o fato é que a mulher que aconselhou o então candidato Bill Clinton para ajudá-lo a conseguir o voto feminino e que tachou Al Gore de "macho beta" amadureceu e se abrandou, a ponto de ter escrito uma homenagem a seu próprio pai que é comovente a ponto de amolecer o coração dos cínicos mais endurecidos.


Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times".
Tradução de Clara Allain.


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