São Paulo, domingo, 19 de março de 2000


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+ 3 questões Sobre o analfabetismo
1. Por que o Brasil tem um dos piores índices de alfabetização do mundo?
2. Qual é a forma mais eficaz de combater o analfabetismo?
3. O atual orçamento destinado à educação é satisfatório?

Regina Esteves responde

1.
Os problemas relacionados à alfabetização nunca ocorrem de forma isolada. Inevitavelmente, eles se inserem em um contexto social, cujo conjunto de indicadores apresenta sérias deficiências. No Brasil, são resultado de um histórico de desigualdades bastante conhecido. Na educação, esse entrave só será resolvido com a garantia irrestrita de acesso à escola na idade adequada e de permanência nas salas de aula. Se essa frente avançar, provocará forte e positivo impacto sobre outros problemas sociais das comunidades focadas.

2.
Considerando experiências anteriores, não resta dúvida de que o combate a boa parte dos problemas sociais, entre eles o analfabetismo, só encontrará uma resposta eficiente com a articulação de recursos quer da sociedade civil, quer do poder público. Acrescente-se que, hoje, apesar de incipiente, o terceiro setor está se organizando de forma definitiva no país e tem apresentado ações inovadoras. O Programa Alfabetização Solidária, por exemplo, atua desde 1997, quando foi lançado um projeto piloto, à época de pequeno alcance. Até o fim de 2000, porém, totalizará o atendimento a cerca de 1,5 milhão de brasileiros.
Nessa trajetória, envolveram-se no projeto mais de 60 empresas, cerca de 180 instituições universitárias, prefeituras, pessoas físicas e o Ministério da Educação (MEC). O trabalho concentrou-se nas regiões com maiores índices de analfabetismo e o custo mensal de cada aluno foi estabelecido em apenas R$ 34,00, dividido entre os parceiros. Aprendemos, assim, que a mobilização da sociedade, que pode contribuir com conhecimento e recursos financeiros, é fundamental nesse processo. Por outro lado, contudo, é preciso atuar na fonte do problema: ou seja, o Brasil tem de garantir o acesso à educação a todos os cidadãos na idade adequada.

3.
Acredito que, antes de verificar se o volume de recursos é suficiente, temos de avaliar se a utilização dos recursos disponíveis é satisfatória. Essa é a questão central que se coloca hoje no Brasil e pode ser aplicada a diversas esferas do poder público. Observe-se ainda que um orçamento farto não é garantia de uma boa educação. Podemos também obter formas alternativas de financiamento para muitas ações, sem ter de criar novas rubricas, mas otimizando verbas já existentes. Um exemplo: preocupado com a continuidade dos estudos dos alunos egressos, o Alfabetização Solidária está articulando recursos do MEC, do Ministério do Trabalho e até de prefeituras para a criação de cursos de suplência em centenas de comunidades. O resultado desse trabalho tem sido fantástico, mas só se tornou viável porque "descobrimos" o fio da meada para executá-lo. Encontramos, em suma, uma forma de aliar a criatividade à racionalidade.

André Urani responde

1.
O Brasil tem um índice de analfabetismo elevado porque durante muito tempo se achou que era possível desenvolver o país sem se preocupar com a educação de seus trabalhadores.

2.
Nos dias de hoje, não basta combater o analfabetismo puro e simples. Para que possamos ter uma sociedade menos desigual, com menos pobreza e violência e maiores chances de ingressar na economia globalizada de forma competitiva, é preciso que todo cidadão em idade adulta tenha completado pelo menos o equivalente ao ensino fundamental (oito anos de estudo).
O quadro atual é desastroso: cerca de 70 milhões de brasileiros em idade ativa não se encontram nessa situação, dos quais 34 milhões têm no máximo três anos de estudo. É possível, no entanto, revertê-lo de forma relativamente rápida, utilizando -em larga escala- ferramentas não-convencionais (como as dezenas de técnicas de alfabetização inspiradas no método de Paulo Freire, o Telecurso 2000 etc.) já amplamente testadas em milhares de salas de aulas espalhadas nas escolas, nas igrejas (de todos os credos), nas empresas, nos canteiros de obras, nas favelas e nos quartéis do país como um todo.
Podemos chegar lá em menos de quatro anos, gastando menos de 1% do PIB ao ano, num esforço conjunto entre os diferentes níveis de governo, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada - a exemplo do que já acontece hoje com a Alfabetização Solidária e, na cidade do Rio de Janeiro, com o movimento Rio Nota 10.

3.
O problema da educação (e do conjunto das políticas sociais) não está tanto no montante do gasto, mas em sua composição, que beneficia, sobretudo, as camadas mais ricas da população. Chegar às metas desejadas aumentando o gasto e preservando a atual estrutura seria incompatível com o equilíbrio fiscal.

QUEM SÃO

Regina Esteves
É coordenadora nacional do programa Alfabetização Solidária e administradora de empresas, com mestrado em gestão universitária na The Paul University, em Chicago (EUA).

André Urani
É professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e secretário municipal do Trabalho do Rio de Janeiro.



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