São Paulo, domingo, 19 de abril de 1998

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PONTO DE FUGA

O realismo de Utrecht

Divulgação
Natureza morta de Jan de Heem (detalhe)


JORGE COLI
especial para a Folha

O título é impreciso, mas a exposição é admirável: "Mestres do Século de Ouro na Pintura Holandesa". São 30 quadros do Museu de Utrecht, na verdade, uma antologia dos pintores dessa cidade. Um século 17 de inflexões voltadas para a Itália, mas com fundamentos originais, em que a persistência de um maneirismo precioso, a tentação do claro-escuro e a busca do aticismo sereno formam três vertentes que possuem um solo comum, brotando, todas, de um realismo familiar e tranquilo. Wtwael introduz, no seu repertório sofisticado, um inventário de frutas e o tipo popular da quitandeira; os caravagistas são comedidos e discretos, atenuando o drama da luz e da sombra; os classicizantes tratam as deusas como mulheres comuns. Tudo por trás de um acabamento liso, dentro da atmosfera sensível que vibra nos interiores ou envolve a paisagem. É contra essas qualidades que Rembrandt irá levantar seu gênio trágico e expressivo, mas são elas que se encontrarão, em apogeu, na mais alta poesia visual de todos os tempos, criada por Vermeer de Delft. Para o realismo silencioso e profundo da pintura de Utrecht, a iluminação e as salas da Pinacoteca de São Paulo oferecem o ambiente justo. Um único reparo: no catálogo, a inverossímil tradução, acompanhada, felizmente, pelo texto em inglês.

A.C.
- Os objetos etruscos revelam o senso do luxo próprio a uma civilização que se deixou fascinar pelo brilho dos metais preciosos a ponto de transformar a ourivesaria em grande arte.
A mostra atual da Pinacoteca de São Paulo centrou-se no período "orientalizante", que inicia o momento forte dessa grande cultura, entre os séculos 4º e 5º a.C. São 135 peças de qualidade corrente, isto é, muito belas, entre as inumeráveis que foram encontradas nas tumbas de Toscana.

ROMANTISMO
- Algumas exposições pequenas são, por vezes, as melhores. É o caso dos holandeses na Pinacoteca, é o caso também das imagens do Brasil no século 19, na Fundação Oscar Americano, em São Paulo. Dos finíssimos nanquins de Planitz que imergem o Rio de Janeiro numa luz nuan çada aos solenes selvagens de Biard na Amazônia, as obras, todas de qualidade muito elevada, vão além do caráter documental e iconográfico para tingirem-se de delicado sentimento romântico.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br
TETRALOGIA E TERATOLOGIA
- A Semana Santa nos trouxe a ressurreição de "Alien", o quarto da série e o mais perturbador. A saga, desde 1979, soube renovar-se, afirmando a individualidade de cada filme. Depois do choque inicial provocado por Ridley Scott, veio a obsessão épica de James Cameron. O mais injustiçado pela crítica foi o terceiro, de David Fincher, onde a tenente Ripley, em grandeza de ópera, imola-se na imensa fogueira, como Brünnhilde ao término de "O Crepúsculo dos Deuses".
No "Alien" atual, do francês Jeunet, infiltram-se perversamente as inquietações orgânicas do nascimento, a repugnância das placentas, os úteros assustadores, o pavor do parto, o ensaio das formas vivas no seu vir-a-ser, além das secretas ligações entre mães e filhos. São os mistérios das origens dos seres e da centelha divina que os habita: diante da cruz reza um robô. Não estamos muito longe de arcanos celebrados pelo mundo cristão, e a coincidência da data da estréia parece curiosamente adequada.




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