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ANTONIO CANDIDO
Trajetória
intelectual de
um múltiplo
singular
SILVIANO SANTIAGO
especial para a Folha
Antonio Candido é um intelectual múltiplo de uma maneira bastante singular. Qualquer uma das
suas várias atividades profissionais ganha impulso e sentido por
uma experiência profissional paralela.
Não se pode compreender a produção do ensaísta de "Literatura e
Sociedade" sem levar em conta a
longa e bem-sucedida experiência
do professor da Universidade de
São Paulo. Não se pode compreender a atividade do professor
sem conhecer a experiência do ativista político, nas últimas décadas
associada ao PT (Partido dos Trabalhadores). Não se pode compreender a atividade do ativista
político sem conhecer a produção
do historiador da literatura, autor
da "Formação da Literatura Brasileira". E assim por diante, numa
modalidade de composição por
frases circulares que se tornarão
mais e mais sedutoras pelo processo infinito de permutação.
Primeira conclusão. Não se pode
prever de antemão o estilo de
qualquer peça ou atividade de Antonio Candido, porque ele será ditado por uma experiência
não-coincidente com o propósito
explícito da necessidade de expressão.
Como múltiplo singular, Antonio Candido conseguiu fazer com
que nenhuma experiência de formação intelectual fosse complementar de uma atividade profissional afim. Caso o fosse, Candido
seria um ensaísta professoral, um
professor proselitista, um político
esteticizante, e assim por diante.
Não é o caso.
Como também não é o caso dizer, em raciocínio bem mais bisonho: como ensaísta Candido é um
bom professor, como professor é
um bom político, como político é
um bom esteta, e assim por diante.
Não é o caso nos dois casos. Essa
visão, preconceituosa em si do
múltiplo e instituída pela complementaridade, poderá ser encontrada nas leituras e comentários
menos instigantes da sua longa e
rica trajetória intelectual.
Segunda conclusão. A experiência oferecida a Candido pela própria formação disciplinar perde o
solo original, é deslocada por ele
do seu lugar de origem para outro
e diferente lugar, onde passa a ter
o propósito nem sempre explícito
de ser mais bem trabalhada pelo
estilista da vida e da obra. Por isso,
qualquer análise duma atividade
intelectual de Candido "per se" é
obrigatoriamente injusta. Exemplo: nada é mais corretamente
equivocado do que buscar os pressupostos metodológicos de uma
peça de Candido. Eles estarão onde o leitor-especialista não os pode encontrar.
Num país sem profissionais ou,
inversamente, de profissionais
por demais constrangidos aos
princípios metodológicos estreitos da sua formação disciplinar,
Candido conseguiu dar estatuto
de maioridade ao diletante e, ao
mesmo tempo, tirar o tapete do
especialista presunçoso, dono da
verdade.
Terceira conclusão. Nem diletante nem especialista. Os dois.
Diletantemente especialista. Isso
por obra dos constantes deslocamentos das experiências de rigorosa formação disciplinar do seu
solo próprio, com vistas a diferentes atividades profissionais, a múltiplos estilos, que careciam de
chão criativo neste nosso Brasil de
instituições culturais e partidos
políticos burocratizados e burocratizantes.
Silviano Santiago é escritor, poeta e crítico de
literatura, autor de "Em Liberdade" e "Keith Jarret no Blue Note" (Rocco), entre outros.
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