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ANTONIO CANDIDO
Um pacto de
generosidade
com o
leitor
BENEDITO NUNES
especial para a Folha
Quando, certa vez, representantes da Academia Paulista de Letras
procuraram Antonio Candido,
com o propósito de convidá-lo para ingressar, sem eleição, na ilustre confraria, um dos acadêmicos
visitantes era meu tio, Carlos Alberto Nunes.
Depois de agradecer à visita e ao
convite, o já consagrado candidato, ponderada e gentilmente, declarou-se forçado a desistir da
honraria, visto que, por princípio,
salvo em se tratando de obrigação
cívico-política, era avesso a filiar-se a grupos, associações e sodalícios. Nisso, à queima-roupa,
tio Carlos desfechou-lhe a pergunta: "E se o convite partisse da Academia Brasileira de Letras, o professor recusaria?". "Também, dr.
Carlos, também recusaria", respondeu o interpelado. Ao que o
acadêmico arrematou: "Dou-me
por satisfeito, professor!".
Só a coragem, virtude alojada
por Platão abaixo da cabeça, no timo, permite agir assim, com tão
plácida firmeza -"coraçãomente", como se diz no idioma roseano. Mas, no professor, a coragem
se combina com a paciência; a liga
das duas conforma-lhe a ciência,
pacientemente vivida e coerentemente exercida, de que tenho sido
um dos muitos beneficiários desde
a juventude. Passei a respeitá-lo,
diante da justeza de suas intervenções, no 2º Congresso de Crítica e
História Literária, de Assis, em
1961. Foi quando o conheci pessoalmente e aprendi a admirá-lo.
Mas só muito depois, na década de
70, lecionando no IEL (da Universidade Estadual de Campinas), pela primeira vez a seu convite, descobri o quanto o humor tempera
aquela liga moral e intelectual da
coragem na gentil paciência, da
ciência na coerência, política inclusive.
Longe de escarninho, esse humor, que o leva a rir dos outros
rindo de si mesmo, é o sinal exterior, social, de uma imensa generosidade, transportada das pessoas, sobretudo dos discípulos às
coisas amadas, à nossa literatura,
estudada em suas raízes histórico-sociais ou às divas da ópera italiana (ele é da facção Tebaldi). Comentando, interpretando e avaliando as obras literárias, o descobridor de Clarice Lispector, que
conceituou o transregional em
Guimarães Rosa, tão bom leitor de
Proust quanto de Alexandre Dumas -também pródigo contador
de histórias, casos e anedotas (como aquela com que iniciamos este
escrito) e talentoso histrião-, fez
da crítica um "pacto de generosidade" com o leitor.
E estenderia o pacto, enquanto
tolerante compreensão dos outros, aos seus colegas críticos, e
enquanto fé na inteligência alheia,
aos escritores novos. Não posso
esquecer como, principalmente
em dois momentos delicados, o
professor me assistiu com paciência e ciência bem-humoradas.
Tolerou minhas delongas na entrega dos dois livros, "Introdução
à Filosofia da Arte" e "Filosofia
Contemporânea", que me solicitara a escrever para a coleção
"Buriti", pouco antes do golpe de
64. Em 67, decidira, sob a pressão
dos duros tempos, instalar-me no
estrangeiro. No seu gabinete da
antiga faculdade da rua Maria Antônia, onde estive, grafou num
meu caderno, envelhecido hoje,
indicação de fontes para os estudos da antropofagia modernista
que eu iniciaria na França. Reúno
essas lembranças, de cor, como
tributo aos 80 anos de Antonio
Candido.
Benedito Nunes é crítico e professor de literatura na Universidade Federal do Pará, autor, entre outros, de "O Tempo na Narrativa" e "Crivo
de Papel" (Ática).
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